Nesta edição da semana para o nosso blog, vamos falar de cultura! Mais especificamente, da cultura brasileira! E por que um blog de cerveja vem trazer esse assunto? De acordo com o historiador italiano Massimo Montanari, a comida, para os seres humanos, é sempre cultura, nunca apenas pura natureza.
A humanidade adotou como parte essencial de suas técnicas de sobrevivência os modos de produção, de preparação e de consumo dos alimentos, desde o conhecimento sobre as plantas comestíveis até o uso do fogo como principal artifício para transformar o alimento bruto em um produto cultural, ou seja, em comida. E como a cerveja é pão líquido, quando falamos dessa bebida, estamos tratando também da construção da cultura na civilização.
Nesse sentido, o Brasil é vasto e diverso. Os hábitos, gostos, culinária e tradições não são homogêneos em todas as regiões do país. Porém, a cerveja amarela pálida, gelada trincando, servida no copo americano, é quase que um patrimônio histórico e harmoniza perfeitamente com nosso clima tropical. E de onde será que vem essa preferência?
Se somos, como nação, indivíduos tão diversos, não teremos também gostos diferentes? Como discutiremos no texto de hoje, algo relembrado por Montanari no livro Comida como Cultura, o gosto é um produto cultural. Em outras palavras, é resultado de uma realidade coletiva e compartilhável, em que as predileções e as excelências destacam-se não de um suposto instinto sensorial da língua, mas de uma complexa construção histórica.
Assim, sem dúvidas, na mesa, somos um país culturalmente rico. Ademais, na música, no teatro, na literatura, na dança e no esporte também. Vamos conhecer, discutir e celebrar toda essa riqueza da cultura brasileira brindando com uma cerveja Sapatista?
Cultura brasileira e suas influências
A cultura brasileira é marcada pelo catolicismo ibérico e pela circulação de informações e crenças ameríndias, das múltiplas Áfricas e das outras Europas que se encontram no Extremo Ocidente para inventar o Brasil.
De acordo com Luiz Antônio Simas, historiador e compositor popular, autor de diversos livros sobre a cultura popular, como o Almanaque brasilidades – um inventário do Brasil popular e Arruaças – uma filosofia popular brasileira, desenvolveram-se aqui celebrações profundamente sincréticas, produto da fusão de diferentes filosofias e visões de mundo. Assim, do encontro desses fundamentos e culturas, o brasileiro criou o seu modo de celebrar o mistério através da fé e da festa.
Por aqui, temos festejos em torno dos eventos da vida, cultos aos santos e beatos, celebrações sobre a força da ancestralidade e a divinização da natureza. Tudo isso faz com que a cultura brasileira esteja extremamente permeada por lendas e mitos populares que atravessaram gerações, nos diferentes cantos deste vasto país, resultando na pluralidade de tradições que o Brasil carrega consigo.
Ainda, a incorporação da cultura de outros povos não é vista somente através dos deuses e das crenças, mas também tem forte influência no que comemos e bebemos por aqui. De acordo com os registros de Luís da Câmara Cascudo, nossas tradições e práticas culinárias são principalmente originárias da miscigenação entre indígenas, africanos e portugueses. E muitas dessas histórias são contadas no seriado do Amazon Prime: A História da Alimentação no Brasil.
Cultura brasileira cervejeira
A cultura brasileira cervejeira possui forte influência das diversas escolas cervejeiras existentes no mundo, mas, principalmente em sua origem, sofreu influência da escola inglesa, passando depois para ser predominantemente influenciada pela escola alemã e, mais recentemente, pela escola americana.
No Brasil, a cerveja chegou provavelmente no século 17, com a colonização holandesa no Nordeste, pela Companhia das Índias Ocidentais. Após a saída dos holandeses, então a cerveja teria sumido do país durante um século e meio, até o início da importação de cervejas europeias realizada por ingleses, em barris, a partir de 1808. Porém, com o início da produção de cerveja no Brasil, a incorporação da cultura cervejeira inglesa teria entrado em crise por aqui e, somente no final do século, a importação retomou o crescimento com as cervejas alemãs que vinham em garrafas.
Atualmente, em busca de novos aromas e sabores, a cultura brasileira cervejeira vive uma revolução semelhante à das décadas de 70 e 80 que ocorreu nos Estados Unidos. Com o fim da Lei Seca em 1933, houve uma grande transformação na indústria cervejeira americana.
Um mercado consumidor pouco habituado ao amargor e a necessidade de produzir e vender ao menor custo possível obrigou as cervejarias a produzirem utilizando milho e arroz (mais baratos que cevada) e produzir cervejas claras e com pouco aroma e sabor. Assim, os estilos hoje conhecidos como American Standard Lagers e American Light Lagers, que são as nossas “Pilsens brasileiras”, dominaram o mercado. Porém, a partir da década de 70, a produção de cerveja artesanal foi legalizada nos EUA, o que estimulou a recuperação da cultura cervejeira e a produção de diferentes estilos, ocorrendo um grande aumento no número de cervejarias artesanais, visto que muitos americanos que produziam para seu consumo próprio, em casa, passaram a produzir comercialmente.
No Brasil, hoje já são aproximadamente 1.209 cervejarias registradas no MAPA espalhadas pelos vários cantos do país, produzindo os mais diversos estilos de cerveja, indo muito além das “Pilsens brasileiras”. Ainda, a produção de cerveja em casa também se tornou uma atividade mais frequente e cresce a profissionalização dos cervejeiros atuantes no mercado, principalmente das mulheres, que antes estavam limitadas a aparecer em rótulos machistas, como figuras de consumo. Agora, estão nas mais variadas áreas do mercado, inclusive como proprietárias de empresas cervejeiras.
Desse modo, a infinita criatividade dos profissionais desse mercado, através do uso de frutas, leveduras e madeiras brasileiras para turbinar suas criações, tem gerado um constante questionamento: estaria nascendo por aqui uma nova escola cervejeira brasileira? Há quem diga que estamos apenas reproduzindo conceitos da escola belga, que é ousada em suas adições de adjuntos, ou misturando conceitos das outras três escolas em nossas criações. Se novidade ou não, o fato é que temos copos muito bem servidos com nossa biodiversidade.
As mulheres da cultura brasileira
Na história do Brasil, embora muitas vezes esquecidas nos relatos dos livros, as mulheres estiveram presentes como protagonistas nas mais diversas áreas e influenciaram muito no desenvolvimento do que entendemos como cultura brasileira, ensinando a pensar de uma nova forma.
Você sabia, por exemplo, que o mais valioso quadro brasileiro foi pintado por uma mulher? Que a melhor profissional do futebol do mundo é uma mulher? Que uma das vozes mais importantes do século é de uma mulher? Então hoje vamos te apresentar algumas dessas figuras importantes que nos inspiram a continuar contribuindo com a cultura brasileira, muito além da gastronomia e da cerveja.
Mulheres brasileiras nas artes visuais
Tarsila de Amaral é considerada uma das principais artistas modernistas da América Latina, foi autora da pintura brasileira mais valorizada da história, o Abaporu (ultrapassa US$ 2,5 milhões). Ela também foi uma das responsáveis pela organização da revolucionária Semana da Arte Moderna de 1922.
Djanira da Motta e Silva foi pintora, desenhista, ilustradora e cenógrafa. Sua tela Sant’Ana de Pé está no museu do Vaticano. Autora de diversos trabalhos importantes para a história da arte do Brasil, como o mural “Cadomblé” encomendado para a casa de Jorge Amado, em Salvador, e o painel do Liceu Municipal de Petrópolis.
Rosana Paulino é artista visual, educadora e curadora. Em 2018, foi a primeira artista negra brasileira a ganhar uma exposição individual na Pinacoteca do Estado de São Paulo. A exposição intitulada “A costura da Memória” tratou de questões decoloniais e de gênero no Brasil.
Mulheres brasileiras na música
Elza Soares é uma das maiores cantoras e compositoras da história do Brasil. Com uma trajetória pessoal marcada por violência doméstica, sexual e fome, ela foi eleita em 1999 pela rádio BBC de Londres como a cantora do milênio e aparece na lista das 100 maiores vozes da música brasileira elaborada pela revista Rolling Stone Brasil.
Em 2019, recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, título concedido pela primeira vez para uma artista negra da música popular brasileira, pela sua posição corajosa no combate ao racismo e à perseguição de mulheres negras no Brasil.
Dona Onete é cantora, compositora e poetisa. Tendo sido professora de história por 25 anos em um pequeno município do Pará, seu verdadeiro sonho era viver de música. Após se aposentar, aos 62 anos de idade, foi descoberta cantando por grupos de Carimbó da cidade. Em 2017, foi capa da maior revista de world music do mundo, após fazer uma grande turnê pela Europa passando por importantes festivais. Ainda em 2017, foi nomeada para a Ordem do Mérito Cultural, como forma de reconhecimento por suas contribuições à cultura do Brasil.
Maria Bethânia é conhecida como a rainha da música popular brasileira por suas contribuições artísticas, derrubando o monopólio da música de língua inglesa e popularizando o gênero, ela abriu espaço para diversos artistas que vieram depois. Foi a primeira mulher brasileira a vender mais de 1 milhão de discos. Em 2012, foi eleita pela revista Rolling Stone Brasil a quinta maior voz da música brasileira. Também recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia.
Mulheres brasileiras no esporte
Marta Vieira da Silva já foi escolhida como melhor jogadora de futebol do mundo por seis vezes, sendo cinco consecutivas. Um recorde não somente entre mulheres, mas também entre homens. Desde 2015, é a maior artilheira da história da seleção brasileira com 110 gols e também é a pessoa com maior número de gols em copas do mundo. Em 2009, foi considerada pela revista época uma das brasileiras mais influentes do ano.
Daiane dos Santos foi a primeira ginasta brasileira (entre homens e mulheres) a conquistar uma medalha de ouro no Campeonato Mundial de Ginástica Artística, a mais importante competição da modalidade. Ela fez parte da primeira seleção brasileira completa da modalidade a disputar uma olimpíada, em Atenas. Ela possui nove medalhas de ouro em seu currículo e movimentos nomeados em sua homenagem, após ser a primeira ginasta do mundo a realizá-los.
Hortência Marcari foi jogadora de basquetebol. É considerada uma das maiores atletas femininas de seu esporte e foi considerada uma das melhores de todos os tempos em seu esporte, em 2018. Ela é a maior pontuadora da história da Seleção Brasileira de Basquete, tendo disputado cinco mundiais e duas olimpíadas. Em 2010, foi agraciada com a Ordem do Ipiranga, pelo Estado de São Paulo, a mais alta honraria reservada aos cidadãos brasileiros e estrangeiros que prestaram serviços notórios aos paulistas.
Mulheres brasileiras na literatura
Rachel de Queirós foi romancista, tradutora, cronista e uma importante dramaturga para a cultura brasileira, sendo a primeira escritora mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras e a primeira a receber o prêmio Camões, prêmio atribuído aos autores que contribuíram para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua portuguesa. Aos dezenove anos, ficou conhecida ao publicar o romance O Quinze, que mostra a luta do povo nordestino contra a seca e a miséria. Além de diversos outros prêmios e honrarias, recebeu o título de doutora honoris causa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2020.
Cora Coralina foi poetisa e escritora de contos e é considerada uma das mais importantes escritoras da cultura brasileira. Apesar de escrever desde a adolescência, ela teve o primeiro livro publicado somente aos 76 anos de idade. Produziu uma obra poética rica que retrata os costumes e tradições do interior brasileiro, em particular, das ruas históricas de Goiás, onde residiu por toda a vida. Seu principal livro, Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, é considerado uma das 20 obras mais importantes do século 20. Ela recebeu o título de doutora honoris causa pela Universidade Federal de Goiás e também foi condecorada com a ordem do mérito cultural.
Djamila Ribeiro é filósofa, escritora e pesquisadora. Um dos principais nomes do ativismo negro no Brasil, tem popularizado debates sobre assuntos de raça e gênero, através das redes sociais e da publicação de livros como o Pequeno Manual Antirracista, O que é lugar de fala?, Quem tem medo do feminismo negro? e Lugar de Fala.. Ao longo de sua trajetória, recebeu diversos prêmios, como o Prêmio Cidadão SP em Direitos Humanos, em 2016, e melhor colunista no Troféu Mulher Imprensa, em 2018. Além de ter sido nomeada secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania na cidade de São Paulo.
Cultura brasileira: um movimento constante
Assim como na cerveja, observamos que as mulheres estão em diversos espaços da sociedade, contribuindo com a evolução da cultura brasileira. Nós queremos saber se você já conhecia essas mulheres e gostaríamos que compartilhasse conosco outros nomes que contribuíram e continuam influenciando a cultura brasileira nas mais diversas temáticas. Acreditamos que o fortalecimento dessa rede é fundamental e que a construção da cultura brasileira é um movimento constante, onde a nossa participação também é muito importante.