Mulheres no esporte: Carina Ávila

Reconhecer o lugar da mulher nos diferentes segmentos sociais não é sempre uma tarefa fácil. No ramo esportivo, de maneira especial, há muitos obstáculos a serem superados nesse sentido.

Para entendermos melhor sobre esse mundo, convidamos a jornalista Carina Ávila para nos contar um pouco sobre sua carreira, obstáculos e desafios enquanto jornalisra do segmento esportivo.

"Vivemos em um país no qual mulheres foram proibidas por lei, durante quatro décadas, de praticar diversas modalidades esportivas, entre elas, o futebol. "Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”, dizia o decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941. Durante a Ditadura Militar, em 1965, o Conselho Nacional de Desportos (CND) citou nominalmente os esportes proibidos: "lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, rugby, halterofilismo e beisebol”.
mulheres no esporte - repórter de camisa azul no meio de um campo de futebol com jogadores e arquibancada ao fundo
Carina Ávila
Jornalista Esportiva

Carina Ávila: a repórter é entrevistada!

Para falar um pouco mais sobre mulheres na dança, convidamos a talentosa Paula Finn para uma entrevista aqui no nosso blog. 

Como você vê o lugar da mulher no esporte?

Carina Ávila: Vivemos em um país no qual mulheres foram proibidas por lei, durante quatro décadas, de praticar diversas modalidades esportivas, entre elas, o futebol.

“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”, dizia o decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941.

Durante a Ditadura Militar, em 1965, o Conselho Nacional de Desportos (CND) citou nominalmente os esportes proibidos: “lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, rugby, halterofilismo e beisebol”. 

O futebol feminino foi regulamentado apenas em 1983, apesar de oficialmente o fim deste decreto ter sido em 1979. Ou seja, a inserção das mulheres no esporte foi barrada, de maneira legal, até a década de 1980. É tudo muito recente. 

Apenas em 2021, vamos chegar perto de ter 50% de mulheres entre os competidores nos Jogos Olímpicos. Quando as Olimpíadas foram criadas, na Grécia Antiga, a participação das mulheres era proibida até nas arquibancadas. Elas não podiam nem torcer, que dirá competir. No início dos Jogos Modernos, não foi diferente. A primeira edição dos Jogos Olímpicos da Modernidade foi em Atenas, em 1896, com a presença de 241 atletas de 14 países e nenhuma mulher. Já em Paris, em 1900, apenas 2,2% da presença feminina – e isso contra a vontade do idealizador das Olimpíadas: Pierre de Coubertin. Ele tinha uma frase famosa: “É indecente ver mulheres torcendo-se no exercício físico do esporte”. A alegação era que o corpo feminino foi feito para maternidade e não para competições esportivas. 

Até hoje, o lugar da mulher do esporte é um lugar de luta. Luta por espaço, por equidade, por respeito. Atletas lutam por visibilidade, apoio, investimento, patrocínio, premiações, salários, diárias, bonificações. Árbitras, treinadoras, gestoras esportivas, profissionais de educação física e mulheres na mídia esportiva são constantemente desrespeitadas, silenciadas e subestimadas. Lutamos para sermos ouvidas e levadas a sério. Temos que provar todos os dias a nossa capacidade para ocupar este espaço que, até 40 anos atrás, era exclusivo dos homens.

Conte um pouco da sua história enquanto profissional da área do esporte, citando suas principais modalidades de interesse e a maneira como se deu sua introdução nesse mundo.

Carina Ávila: Sempre fui completamente apaixonada por esportes. Joguei futsal durante a vida toda e disputei diversos campeonatos escolares e universitários.

Fui atleta de alto rendimento do hipismo por dez anos, disputando o Campeonato Brasileiro e o Mundial. Também fiz aulas de natação, vôlei, tênis e judô. Cresci praticando esportes, andando de skate, bicicleta, correndo, brincando na rua. 

Quando entrei no curso de Jornalismo, idealizava um futuro como jornalista esportiva. Eu sabia que o mercado de trabalho na área era muito restrito, principalmente para mulheres, mas, quando me perguntavam qual era meu sonho na profissão, eu respondia: “Sonhando beeem alto, eu gostaria muito de ser jornalista esportiva e, quem sabe um dia, cobrir Copa do Mundo e Olimpíada”. Nunca imaginei o que estava por vir. 

Minha primeira experiência profissional com jornalismo esportivo foi como estagiária da editoria de Esportes do Correio Braziliense, em 2015. Trabalhei como repórter de esportes por um ano e, em 2016, fui aprovada no processo seletivo de estágio do Globo Esporte. Passei um ano como produtora do programa – ano de Olimpíada, inclusive. Em 2017, já formada e de volta ao Correio Braziliense (só que na editoria de Cidades), me inscrevi no processo seletivo do Projeto Passaporte Globo/SporTV, que selecionaria seis correspondentes internacionais para cobrir a Copa do Mundo de 2018. Eram 5 mil candidatos de todo o país. E aí veio a realização do maior sonho da minha carreira: fui uma das seis selecionadas. A única mulher. As outras cinco vagas foram ocupadas por homens. Em 2018, fui enviada para ser a primeira correspondente brasileira na Islândia. Também fiquei responsável pela cobertura da Dinamarca e da Suécia na Copa. Antes disso, fui escalada para cobrir a torcida do Real Madrid na final da Champions League 2017/2018. 

Depois de seis meses trabalhando como correspondente na Europa, voltei ao Brasil. Entre as coberturas mais marcantes em terras brasileiras, destaco: Copa do Mundo Sub-17, Grand Slam de Judô, Liga das Nações de Vôlei, jogos de futebol do Campeonato Brasileiro, da Copa do Brasil e do Campeonato Brasiliense, Superliga de Vôlei e NBB.

Qual é a importância do movimento feminista no segmento esportivo?

Carina Ávila: A importância é imensurável. Citando algumas das frentes mais relevantes: conquista de espaço, luta por inclusão, empoderamento, salários iguais, quebra de estereótipos de gênero, defesa das mulheres em situações de constrangimento de naturezas diversas, reconhecimento da mulher para além da aparência física. São tantas demandas urgentes! Não são raras as situações de assédio moral e sexual dentro das empresas e nos espaços de prática esportiva (estádios, ginásios, quadras etc.). 

Nós, mulheres, precisamos provar constantemente que somos capazes, que entendemos de esporte, que merecemos estar aqui, que este é um espaço nosso. A cobrança sobre as mulheres é muito maior. Se mulheres cometem algum erro, os homens culpam nosso gênero e usam este erro como mais um “argumento” para afirmarem que este espaço não nos pertence. 

Se alguma árbitra comete algum erro, dizem que ela errou “porque é mulher” e que “mulher não entende de futebol”, ou “deveria ir lavar roupa” (como afirmou Jairzinho em uma transmissão da Botafogo TV em 23 de setembro de 2020, referindo-se à auxiliar Neuza Ines Back). Contudo, vemos erros de arbitragem cometidos por homens toda rodada e não dizem que erraram “porque são homens” ou que “deveriam ir lavar louça”. Torcedores xingam a mãe do juiz (mais uma vez culpando a mulher), dizem que o jogo foi roubado, que o juiz é ladrão e fica por isso mesmo. A punição é muito mais branda ou até inexistente. Enquanto mulheres não voltam a apitar uma partida tão cedo.

Os comentários e avaliações constantes sobre nossa aparência física, ou a ideia de que estamos ali apenas por causa de uma “cota para mulheres”, ou por sermos “um rostinho bonito”. A não validação do que dizemos ou opinamos. Ou a enorme surpresa que geramos quando dizemos algo pertinente. O machismo está em todo canto do esporte, e o movimento feminista chega com força para combatê-lo.

Você entende que há diferentes lutas a serem travadas no esporte para que as mulheres consigam conquistar seu espaço? Por quê?

Carina Ávila: Sim. Há a luta das atletas, das gestoras esportivas, das árbitras, das treinadoras, das repórteres, das narradoras, das comentaristas, das cinegrafistas, das fotógrafas, das operadoras de áudio, enfim, de todas as mulheres que atuam de alguma forma no mundo do esporte. Não apenas no âmbito profissional, mas no esporte amador também. Nas escolinhas, nas academias, nas aulas de educação física dos colégios, nas peladas, nos campeonatos amadores.

Quantas garotas já tiveram que “provar” que gostam mesmo de futebol respondendo o que é impedimento, ou o que é tiro de meta, ou dizendo a escalação do time? Quantas foram impedidas de jogar bola por familiares ou professores? Quantos professores de educação física ensinavam futebol para as meninas no colégio? Quantas mulheres apaixonadas por futebol não puderam seguir esta paixão por causa de preconceitos externos? 

As barreiras existem para qualquer mulher que queira adentrar este espaço. E as demandas variam. Por exemplo, o esporte feminino é altamente desvalorizado e praticamente não tem cobertura da mídia. A falta de visibilidade tem como consequência a falta de patrocínio. Então, para as atletas, uma das demandas mais urgentes é a de espaço nos programas esportivos e valorização pela mídia, para atrair investimentos e apoio financeiro, o que pagará salários e garantirá estrutura física de treinamento.

Qual a importância de se trabalhar questões de gênero nos esportes?

Carina Ávila: Acredito que, para nós, mulheres que gostamos de esporte, este é um dos primeiros espaços em que nos deparamos com a desigualdade de gênero.

Quando eu era pequena e queria jogar futebol, me diziam que eu não podia, por ser menina. Quando pedi para fazer escolinha de futsal com meus coleguinhas, minha mãe não autorizou porque disse que eu ficaria “masculinizada, começaria a andar igual homem e a falar palavrão igual homem”.

Quando eu tinha 6 anos e tirei a blusa para comemorar um gol, como os meninos faziam, levei uma bronca enorme de uma das coordenadoras da escola.

Quando eu tinha 10 anos, minha professora me via jogando futebol com os meninos e gritou no corredor da escola um dia: “Carina, você tinha que ter nascido com um pinto e, não, uma perereca”.

Quando eu tinha 11 anos e fui confundida com um menino em uma festa de aniversário, meu avô disse que era porque eu “ficava jogando futebol”.

O esporte é um dos primeiros espaços que nos são negados por sermos mulheres. É quando começamos a “aprender” que não somos iguais. Que não podemos o mesmo que os meninos. É quando começamos a ser barradas apenas por causa do nosso gênero. Quando eu era criança, dizia que queria ser menino, não porque eu me identificasse com o sexo masculino, mas porque eu queria poder jogar futebol como eles, jogar videogame, brincar de carrinho. Eu queria poder fazer o que eles faziam. Eu não gostava do que diziam ser “coisa de menina”.

Dados levantados pela ONG Plan International mostram que 70% das meninas gostam e querem praticar algum tipo de esporte, mas 49% delas acabam desistindo no meio do caminho. Esse número é seis vezes maior que o de meninos que abandonam as atividades físicas. Um dos principais motivos que desencorajam as meninas a praticarem algum esporte é o corpo. Ou, no caso, como ele vai ficar depois de tanto treino. “Se comporta que nem mocinha”, “cuidado para não ficar com as costas largas”, “braço musculoso é coisa de menino”, “senta com a perna fechada”, “menina suada é nojento” são alguns comentários que muitas meninas escutam diariamente.

No ensino médio, mudei de escola e, logo no primeiro dia de aula, levei minha bola de futebol para brincar no recreio. Quando tocou o sinal do intervalo, fui correndo empolgada para jogar, mas me informaram que as quadras poliesportivas eram de uso exclusivo dos meninos. Então, os garotos pegaram minha bola para jogar e tive que ficar apenas assistindo. 

Trabalhar as questões de gênero nos esportes é mostrar que este também é um espaço para mulheres. Que meninas podem tudo! Podem praticar a modalidade que quiserem, podem competir, podem vencer. Que nós, mulheres, podemos ser o que quisermos. Podemos praticar qualquer esporte com excelência.

Quem são as mulheres que te inspiram? Conte um pouco sobre a influência delas em sua vida.

“Falando especificamente do jornalismo - porque, se eu falasse de forma geral, citaria dezenas de mulheres - começo destacando Regiani Ritter, uma das grandes pioneiras do jornalismo esportivo feminino na imprensa brasileira. Primeira mulher a ocupar a função de repórter de campo no Brasil, também foi comentarista esportiva na Rádio Gazeta na década de 1980. Ela começou a abrir espaço para que outras mulheres pudessem trabalhar como repórteres esportivas. Infelizmente, não cheguei a vê-la em ação. .”
mulheres no esporte - repórter de camisa azul no meio de um campo de futebol com jogadores e arquibancada ao fundo
Carina Ávila
Jornalista Esportiva

Carina Ávila: Durante minha infância, minha primeira referência de mulher no jornalismo esportivo foi a Dani Monteiro, que foi apresentadora do Esporte Espetacular, na Globo, e tinha um quadro em que praticava esportes radicais. Eu, pequena, ficava encantada vendo aquela mulher praticando tantos esportes maneiros! Eu queria ser como ela! Todo domingo de manhã, eu ligava a TV para assistir ao quadro de esportes radicais da Dani Monteiro. 

Já um pouco maior, no início da faculdade, minha principal referência era a Fernanda Gentil, que usava tênis, calça jeans, fazia embaixadinha durante as entrevistas, batia uma bolinha com os jogadores. Sempre houve uma tentativa muito grande dos programas televisivos esportivos de sexualizarem as mulheres com o objetivo de chamar a atenção do público majoritariamente masculino. Sempre decotes grandes, salto alto, maquiagem impecável. Mulheres que estivessem fora dos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade machista/racista/gordofóbica/homofóbica não tinham espaço na TV. 

Apesar de estar dentro dos padrões, a Fernanda Gentil começou a quebrar muitos tabus por ser uma mulher boleira, atleta, com estilo esportivo, que usava roupas mais soltas e confortáveis, fazia piadas. Antes dela, eu nunca tinha visto uma repórter de tênis jogando altinha durante uma entrevista. E aquele estilo esportivo era o meu estilo. Eu gostava de usar calça jeans, tênis e de jogar futebol. Então, comecei a me sentir representada. Eu não me identificava com os decotes, saltos altos e quilos de maquiagem. Eu me identificava com a mulher esportiva correndo pelo campo. Quando ela assumiu o relacionamento com uma mulher, também foi outro tabu quebrado: uma lésbica apresentando o principal programa esportivo da maior emissora do país. E eu tive a esperança de um dia poder trabalhar na Globo, como jornalista esportiva – antes, eu morria de medo de não conseguir um bom emprego por ser lésbica. As referências são muito importantes.

Na sua opinião, quais são as principais lacunas em relação à igualdade de direitos e a equidade do ponto de vista de reconhecimento entre homens e mulheres no segmento esportivo?

Carina Ávila: Para atletas, acredito que a maior lacuna é financeira: salário, patrocínio, premiação, estrutura. Pouquíssimas jogadoras que disputam a primeira divisão do Campeonato Brasileiro de futebol, por exemplo, recebem bons salários ou têm direitos trabalhistas. A maioria joga por amor e se submete a condições precárias: vivem em alojamentos superlotados, dividindo quarto com várias atletas, não têm acompanhamento psicológico, não têm nutricionista (muitas vezes, não têm condições nem de se alimentarem bem), não podem visitar a família, vivem isoladas porque não têm como pagar por transporte etc.

Falta visibilidade, que gera apoio, que traz patrocínio. Claro que também falta interesse de grande parte dos clubes. Então, acredito que, para as atletas de todas as modalidades, o mais urgente seja a igualdade salarial e de estrutura (de treinamento e de profissionais que as acompanhem). 

Para outras profissionais, acredito que a principal demanda seja respeito. Não somos respeitadas, nossa opinião não é levada a sério, não somos vistas com credibilidade e somos constantemente assediadas. Exigimos respeito.

Se fosse para citar algumas pautas importantes que você defende enquanto mulher atuante no segmento esportivo, quais seriam?

Carina Ávila: Todas as pautas da luta por direitos iguais são importantes para mim. Como jornalista esportiva, sempre batalho para inserir reportagens sobre mulheres nos programas televisivos e nas nossas páginas na internet. Produzo e escrevo muitas matérias semanais sobre mulheres no esporte. Sempre pensando em novas maneiras de emplacar o esporte feminino na mídia.

Há alguma causa com a qual você se identifique mais? Se sim, qual? Há projetos que você desenvolve?

Carina Ávila: Amo contar histórias. Histórias são muito potentes. Elas emocionam, comovem, geram engajamento, empatia, dão visibilidade para causas importantes e mudam a vida das pessoas (tanto das protagonistas, quanto de quem as escuta).

Busco contar histórias que merecem ser contadas, que merecem ser ouvidas. Por trabalhar na maior emissora do país, tenho acesso a um canal que gera um alcance gigantesco. Então, tenho como missão dar visibilidade para causas sociais e contar histórias transformadoras.

Mulheres no esporte e a Sapatista

Nós da Sapatista sempre buscamos valorizar o trabalho das mulheres em diversas áreas, inclusive no esporte. 

Conheça mais o trabalho da Carina Ávila através do seu Instagram: @carinacavila.