Mulher cervejeira: cerveja também é coisa de mulher!

Mulher cervejeira é algo que temos visto crescer cada vez mais nos últimos anos e não só como consumidoras, mas também ocupando cada vez mais os espaços dentro das fábricas. Embora ainda em um universo muito masculinizado, elas estão conquistando e participando de diversas áreas, tais como:

  • Produção
  • Controle de qualidade
  • Logística
  • Financeiro
  • Administração
  • Marketing
  • Sommeliers
  • Juradas de concursos a níveis nacionais e internacionais
  • Proprietárias de cervejarias

Além disso, mesmo com um número crescente da participação das mulheres no setor cervejeiro, os preconceitos enfrentados no dia a dia não nos desanima. Ao contrário, nos fortalece pois acreditamos que juntas somos mais.

Presença da mulher cervejeira

Há cerca de 8 mil anos, a cerveja foi descoberta pelas mulheres. Nesse sentido, eram elas que faziam todas as atividades domésticas, incluindo as bebidas e alimentos. Quando a cerveja deixou de ser produzida em casa, é que as mulheres perderam seu papel no mundo cervejeiro. Já as atividades domésticas, ainda hoje são majoritariamente feita por elas.

Sendo assim, para entendermos o que é ser mulher cervejeira, precisamos saber o que significa ser mulher em um meio super masculinizado. Em outras palavras, precisamos falar sobre o que é ser mulher em uma sociedade machista.

Nesse sentido, aqui no Brasil, até por volta dos anos 1800, as mulheres eram propriedades de seus pais, maridos, irmãos, ou qualquer chefe de família e, até então, não se tinha o direito de acesso à educação. Só a partir dos anos 1900, após algumas lutas, principalmente daquelas que trabalhavam na indústria têxtil, onde eram maioria predominantemente, é que começou a ser discutida a regularização do trabalho feminino e jornadas de até 8 horas de trabalho.

Além disso, até o ano de 1928, as mulheres não participam das eleições do país, e foi só na constituição de 1964 que as mulheres tiveram direito ao voto e à candidatura. 

Nesse sentido, só a partir da década de 60 é que o movimento das mulheres conseguiu trazer à discussão alguns temas que, até os dias atuais, ainda precisam de melhorias, tais como: 

  1. Acesso a métodos contraceptivos
  2. Saúde preventiva
  3. Igualdade entre homens e mulheres
  4. Proteção da mulher contra violência doméstica
  5. Equiparação salarial

Além, é claro, de diversos outros temas que ainda inferiorizam as mulheres em nossa sociedade. 

Mesmo hoje, as mulheres que podem não se dedicar exclusivamente às funções domésticas encontram muitas dificuldades no mercado de trabalho. Nesse sentido, tanto as vagas disponíveis quanto os salários pagos são muito desiguais. Em média, as mulheres recebem apenas 70% do salário dos homens ocupando os mesmos cargos. E, se somarmos a isso a dupla jornada que a maioria das mulheres enfrenta, essa diferença é ainda maior.

Mulher cervejeira: a história da cerveja teve início com elas

Mulher cervejeira existe há muitos e muitos anos, mais precisamente quando a cerveja foi descoberta por volta de 8 mil anos a.c.. Nesse sentido, foi quando se passou a utilizar a agricultura como fonte de alimentação, cultivando grãos e cereais, como a cevada e o trigo.

Assim como todas as atividades domésticas eram tarefas das mulheres (e ainda vemos isso nos dias atuais), eram elas as responsáveis pelo cuidado dos grãos e pela alimentação de todas as pessoas. Sendo assim, acredita-se que acidentalmente esses grãos acabaram ficando esquecidos e teriam fermentado, produzindo álcool. Surge, então, o pão líquido que, pouco tempo depois, começou a ser produzido como fonte de alimento.

Além disso, a mulher cervejeira descreve a atividade de muitas mulheres durante muito tempo. A produção de cerveja era uma invenção exclusivamente das mulheres, já que eram as pessoas responsáveis pelos afazeres domésticos. Eram elas que detinham o conhecimento da produção e, acredite ou não, também eram elas que administravam as tabernas. Nesse sentido, na sociedade antiga, como Mesopotâmia e Suméria, as mulheres eram consagradas como deusas por produzirem o líquido sagrado.

Além disso, ainda era a mulher cervejeira que fazia a produção de cerveja e também a vendia como meio de incrementar a renda familiar. Por isso, já no final da Idade Média e com o início do capitalismo, vários grupos de mulheres foram perseguidos. Começa aí o distanciamento das mulheres da produção de cerveja, passando os homens, aos poucos, a aprender sobre esse universo.

Assim, inicia-se o processo de proibição da produção de cerveja em casa para venda, e a tão famosa caça às bruxas. Mas, até o século XI, a produção de cerveja envolvia apenas água, malte e levedura. Foi a partir dos estudos da Hildegard von Bingen que o lúpulo passou a ser usado na produção de cerveja.

Foto: papodebar.com

Ninkasi: a deusa da cerveja!

Ninkasi é uma antiga deusa suméria e mulher cervejeira que representava a cerveja. Filha de Enqui e Ninti, foi uma das 8 crianças criadas para curar uma das oito feridas que Enqui sofreu. Nesse sentido, Ninkasi é a deusa do álcool que nasceu de “água doce e brilhante” e era a deusa que satisfazia o desejo e saciava o coração, além de ser quem preparava a bebida todos os dias para os outros deuses.

Além disso, os antigos acreditavam que a bebida era uma criação divina, mais precisamente de Ninkasi, a Deusa Suméria da Cerveja. Graças a achados arqueológicos, um dos registros mais antigos de que se tem notícia sobre a bebida é o Hino à Ninkasi, de 1800 a.C., que teria sido escrito por um poeta sumério e foi encontrado em uma tábua de cerâmica e continha uma receita de cerveja:

Nascida de água corrente,

Ternamente cuidada pela Ninhursag,

Nascida de água corrente,

Ternamente cuidada pela Ninhursag,

Tendo fundado sua cidade pelo lago sagrado,

Ela terminou suas grandes paredes para você,

Ninkasi, fundando sua cidade pelo lago sagrado,

Ela terminou de suas paredes para você,

Seu pai é Enki, Senhor Nidimmud,

Sua mãe é Ninti, a rainha do lago sagrado.

Ninkasi, seu pai é Enki, Senhor Nidimmud,

Sua mãe é Ninti, a rainha do lago sagrado.

Você é a única que lida com a massa [e] com uma pá grande,

Misturando em uma caldeira, o bappir (pão sumério) com aromas doces,

Ninkasi, você é a única que lida com a massa [e] com uma pá grande,

Misturando em uma caldeira, o bappir com mel,

Você é a única que assa o bappir no forno grande,

Coloca em ordem as pilhas de grãos descascados,

Ninkasi, você é a única que assa o bappir no forno grande,

Coloca em ordem as pilhas de grãos descascados,

Você é a única que rega o conjunto de malte no chão,

Os cães nobres manteem-se longe até mesmo os potentados,

Ninkasi, você é a única que rega o conjunto de malte no chão,

Os cães nobres manteem-se longe até mesmo os potentados,

Você é a única que embebe o malte em um frasco,

As ondas sobem, as ondas de caem.

Ninkasi, você é a única que embebe o malte em um frasco,

As ondas sobem, as ondas de caem.

Você é a única que se espalha no mosto cozido em esteiras de junco grandes,

Frieza supera,

Ninkasi, você é a pessoa que espalha o mosto cozido em esteiras de junco grandes,

Frieza supera,

Você é a única que mantém com as duas mãos o mosto grande doce,

Brassando [ele] com mel [e] vinho

(Você, o doce mosto da caldeira)

Ninkasi, (…) (Você, o doce mosto da caldeira)

A cuba de filtragem, que faz um som agradável,

Você coloca adequadamente em uma cuba coletora grande.

Ninkasi, a cuba de filtragem, que faz um som agradável,

Você coloca adequadamente em uma cuba coletora grande.

Quando você despeja a cerveja filtrada do barril coletor,

É [como] o encontro do Tigre e Eufrates.

Ninkasi, você é a única que derrama a cerveja filtrada do barril coletor,

É [como] o encontro do Tigre e Eufrates.

Ceres: a deusa da agricultura que dá nome à cerveja

Ceres foi uma deusa da mitologia romana, que cuidava das plantas que brotam, especialmente dos grãos. Ceres era mãe de Prosérpina, e teve sua filha raptada por Plutão, o deus das trevas e irmão de sua mãe. Por esse motivo, Ceres ficou enfurecida e ordenou que a terra secasse e ficasse estéril. Os deuses do Olimpo interviram para evitar a fome dos homens e exigiram a libertação de Perséfone.

Nesse sentido, com a juda de Mercúrio, o deus da comunicação e mensageiro dos deuses, foi feito um acordo onde Ceres poderia viver com sua filha durante 9 meses, mas deveria retornar nos outros 3 meses.

Sendo assim, parte do ano, quando estava com sua filha no Olimpo, Ceres permitia a germinação e crescimento dos grãos, criando a primavera e o verão. Contudo, quando sua filha ia embora, a tristeza de Ceres se via nas folhas que caíam no outono e no frio do inverno.

 

Além disso, Ceres também é uma deusa e a representação da mulher cervejeira, relacionada à cerveja, que, em latim, se escreve cerevisiae, o que significa “aos olhos de Ceres”. 

A cerveja era considerada algo divino, pois não se tinha o conhecimento das leveduras e, então, não se sabia como o álcool era gerado. Por isso, a deusa Ceres era personificada e celebrada por mulheres em rituais secretos e chegou a existir um templo totalmente dedicado a ela. Ceres era retratada na arte carregando um cesto de flores e frutos, e sua coroa era feita com espigas de trigo.

Hildegard Von Bingen: a mulher cervejeira que descobriu a utilidade do lúpulo

Outra mulher que podemos chamar de mulher cervejeira foi a Hildegard, uma abadessa que viveu no século XII, era mística, teóloga, compositora, escritora e naturalista. Além disso, rompeu as barreiras dos preconceitos contra as mulheres que existia em seu tempo e se tornou respeitada como uma autoridade em assunto teológicos. 

Além de seus diversos talentos, Hildegard fez muitas observações da natureza com uma objetividade científica, que até então era desconhecida, principalmente com plantas medicinais, abordando diversos temas ligados à medicina e oferecendo métodos de tratamentos para várias doenças. 

Hildegard também foi a primeira pessoa a estudar cientificamente o lúpulo e indicar seu uso na cerveja, devido às suas propriedades conservantes. Sendo assim, se hoje o lúpulo é um fundamental ingrediente da cerveja, Santa Hildegarda de Bingen é uma das grandes responsáveis.

Foto: forcasindicalbahia.org.br

Mulher cervejeira e a revolução industrial: o que mudou?

Até o final do século XVIII, a produção de cerveja era função exclusiva das mulheres e, quando a produção em larga escala passou a ser algo rentável e, então, produzida fora das casas, é que os homens foram assumindo essa atividade. 

Assim, a principal questão era o alto valor lucrativo que a venda de cerveja tinha, mas o que era usado, de certa forma, como desculpa é que as mulheres serviriam apenas para trabalhos domésticos. Nesse sentido, acreditava-se que areas comerciais eram habilidades exclusivas dos homens, e que as mulheres seriam incapazes de se adaptar a uma grande produção industrial

Nesse sentido, a mulher cervejeira e vários outros movimentos chamados “hereges” foram perseguidas pelo estado e pela igreja no final da Idade Média e início do capitalismo. Nesse momento, se inicia a caça às bruxas, que, com base em alguns estudos históricos, indicam que a imagem que define a bruxa era justamente a representação das mulheres que produziam e vendiam a cerveja.

Foto: Pinterest

À época, a cerveja era produzida em um caldeirão e, para mexer a “poção”, era usado um grande pedaço de madeira com um ramo na ponta (que lembra uma vassoura). Além disso, o gato tinha como função afastar animais e então proteger os grãos (principalmente manter os ratos afastados). A vassoura também era pendurada do lado de fora da porta para sinalizar que ali se produzia e se vendia cerveja. Por isso, muitas das mulheres acusadas de bruxarias e mortas em milhares nas fogueiras da perseguição eram, na verdade, fabricantes de cerveja da Idade Média.

Mulher e a falta de igualdade de direitos

A mulher cervejeira foi perdendo seu papel no início da Revolução Industrial, pois, devido às novas tecnologias e métodos de fabricação, começou a ser deixada de lado. 

Além disso, quando a fabricação passou a ser em larga escala (e então fora dos afazeres domésticos), tornou-se um trabalho exclusivamente masculino. Não obstante, as mulheres não tinham possibilidades de abrir sua própria fábrica, principalmente porque os bancos não liberavam empréstimos às mulheres. Assim, mais precisamente no final do século XVIII, a produção de cerveja se torna algo totalmente masculino, desde o momento da produção, os bares e a própria consciência de consumo.