“Triste louca ou má” é uma composição du Ju Strassacapa, cantore da banda Francisco el Hombre. Nesse sentido, a música expressa sua inquietação diante dos enquadramentos sociais aos quais as mulheres são submetidas e classificadas quando fogem do padrão estabelecido pela sociedade.
Além disso, Ju Strassacapa canta, compõe, produz, toca percussão e conta histórias com sua arte. Transitou por muitas linguagens artísticas até firmar raízes profundas na música. Desde 2013, integra a banda Francisco, el hombre, com quem lançou dois discos e alguns EPs. Um dos grandes frutos que surgiu junto à banda é a canção Triste, louca ou má, um manifesto feminista em pele de canção, reinterpretado por vozes como Maria Gadú, Mariana Aydar, Liniker e por mulheres de toda Abya-Yala (América Latina).
Atualmente, segue desenvolvendo também um projeto “solo”, onde busca apropriar-se dos meios de produção. E, ao mesmo tempo, aprofundar-se em música-medicina, espiritualidade e temas de gênero e sexualidade (Ju se identifica como pessoa trans não-binária e pansexual). É importante destacar a conexão de Ju com a Natureza, seus elementos, reinos e medicinas, inclusive na própria tessitura das canções.
“Triste, louca ou má” faz parte do primeiro disco da banda, Soltasbruxa lançado em 2016, e teve seu clipe gravado neste mesmo ano durante a turnê #VaiPraCuba. A música é praticamente um hino.
A banda conta que, primeiro, veio a melodia, apenas com violão, feita por Mateus, também integrante da banda, que tinha uma letra pronta, mas que não se encaixava com a melodia. Nesse sentido, a banda estava praticamente finalizando o disco quando Ju mostrou a letra que havia escrito. Segundo Ju, a letra foi escrita de forma muito rápida, pensando na sua mãe e nas relações da sua família. Assim, encorajada por suas amigas, ela decidiu apresentar para a banda.
“Prefiro queimar o mapa
traçar de novo a estrada
Ver cores nas cinzas
E a vida reinventar.”
É a síntese da música inteira, onde Ju vai construindo uma narrativa, mostrando que certos padrões não podem ser construídos dessa forma, até chegar na letra completa da música.
Como bem sabemos, a música é de fato perfeita, principalmente pela sua letra, mas também por toda a construção musical: uma música lenta, calma, praticamente um mantra. Temos que agradecer muito a Ju por essa letra incrível e a todas as suas amigas que a encorajaram.
“Triste, louca ou má” expressa tudo aquilo que nós hoje estamos tentando buscar e dar um basta, como: os relacionamentos abusivos, violência doméstica e todos os outros pontos que ainda inferiorizam as mulheres perante a sociedade.
Há muito tempo, a mulher se encontra em um papel de vulnerabilidade e inferioridade em relação ao homem. Isso porque, historicamente, o poder político sempre esteve nas mãos dos homens, de forma que, ao longo do tempo, o patriarcado adquiriu expressividade cultural na nossa sociedade.
Além disso, essa construção social resulta na forma como ainda hoje o tratamento às mulheres é diferenciado, sendo a mulher a responsável pela família. Com efeito, é deixado de lado o ser individual, aparentemente não possuindo identidade própria e sofrendo julgamentos quando fora dos padrões estabelecidos sobre o ser mulher.
“Triste, louca ou má” é uma tradução da expressão em inglês “sad, mad or bad”, utilizada para falar de forma pejorativa das mulheres, que por escolha própria decidem ficar solteiras. Além disso, a figura da mulher foi, durante muito tempo, resumida à mãe e à esposa. Embora ainda seja uma realidade de muitas, se vê um movimento mais forte em prol da libertação das mulheres.
“O destino que a sociedade propõe tradicionalmente à mulher é o casamento. Em sua maioria, ainda hoje, as mulheres são casadas, ou o foram, ou se preparam para sê-lo, ou sofrem por não o ser. É em relação ao casamento que se define a celibatária, sinta-se ela frustrada, revoltada ou mesmo indiferente ante essa instituição” (BEAUVOIR, 1967, p. 165).
Triste, louca ou má nos traz um convite ao empoderamento e à reflexão sobre aqueles comportamentos impostos às mulheres pela sociedade. Veja a letra na íntegra:
No primeiro momento da letra, temos:
“Triste, louca ou má
Será qualificada
Ela quem recusar
Seguir receita tal
A receita cultural
Do marido, da família Cuida, cuida da rotina”
Esse trecho fala sobre como a sociedade julga aquelas mulheres que se opõem aos padrões pré-estabelecidos de que a mulher deve se dedicar ao marido, à família, à casa. Historicamente, e ainda nos dias de hoje, a mulher que não aceita se enquadrar no papel da dona do lar, que casa e tem filhos, é julgada e condenada socialmente. E foi exatamente isso que aconteceu com Olympe Goudes, nos anos 1970, na França, que escreveu a Declaração dos Direitos das Mulheres e da Cidadã, e foi condenada à morte.
Além disso, foi assim que aconteceu na caça às bruxas e ainda é assim que acontece com muitas mulheres, hoje não mais julgadas e guilhotinadas em praça pública, mas julgadas nas redes sociais, ou até mesmo em suas próprias casas, onde muitas seguem morrendo.
No refrão da música, temos:
“Um homem não te define
Sua casa não te define
Sua carne não te define
Você é seu próprio lar”
Essa parte toca no sentido de ser o que você quiser ser, nada nem ninguém é dono de seu corpo. Essa mensagem é sobre empoderamento, mostrando que a mulher não precisa de um marido para ser bem quista pela sociedade e nem do julgamento das outras pessoas para ser o que bem entender.
Seguindo a letra:
“Eu não me vejo na palavra
Fêmea, alvo de caça
Conformada vítima
Prefiro queimar o mapa
Traçar de novo a estrada
Ver cores nas cinzas
E a vida reinventar”
Agora, a letra trata do padrão de “ser mulher”, imposto pela sociedade, que denota a sua inquietude de não se enquadrar em uma norma e que, de certa forma, coloca as mulheres em uma caixinha, onde só podemos ser aquilo que a sociedade patriarcal quer que sejamos: a mulher que cuida da casa, do marido e da família.
Além disso, a mulher é vista como um objeto sexual, com quem os homens podem fazer o que bem entenderem, como se fossem donos delas. “Queimar o mapa e traçar uma nova estrada, vendo cores nas cinzas” é dizer não para toda a padronização de ser mulher, a subjugada, a que depende do homem, e partir para uma vida livre, ser dona do seu próprio corpo, fazer o quê, quando e como ela quiser.
“Triste, louca ou má”, da banda Francisco, El Hombre, trata-se de uma crítica social sobre o comportamento em relação à emancipação das mulheres. Além disso, representa alguns dilemas enfrentados pelas mulheres que buscam tomar decisões sobre suas próprias vidas sem serem comandas e/ou julgadas.
Mesmo se considerarmos que muitas mulheres conseguiram superar, em parte, as diferenciações impostas, ainda existe uma grande parcela de mulheres que se encontram oprimidas e impedidas de exercer a cidadania plenamente. A dependência econômica, a organização familiar ou as discriminações sociais são alguns dos fatores que pesam nas decisões que uma mulher toma ao longo de sua existência, mesmo aquelas que não são economicamente dependentes ou ligadas ao contexto da família patriarcal.
Triste, louca ou má é um manifesto-poesia em forma de música que traz questões que ainda precisamos discutir muito com toda a sociedade, pois nós estamos cansadas de sermos enquadradas em caixas, queremos ser livres para sermos o que quisermos.
Ju Strassacapa mandou muito bem nessa letra. Além de sua voz incrível, conseguiu transformar algo tão “doloroso” em uma música leve e calma. Ju, além de ser integrante da banda Francisco, el hombre, também possui um trabalho “solo” que deveria ser ouvido e prestigiado por todas as pessoas.
Se você ainda não conhece todo o trabalho dessa artista maravilhose, segue ela nas redes e nas plataformas de streaming que você não vai se arrepender. Assista também à live que fizemos com ela que está disponível no nosso canal do IGTV no Instagram.