Cerveja é coisa de mulher sim e, desde o seu descobrimento, há cerca 8 mil anos, eram elas que assumiam a colheita dos grãos, a produção e até mesmo a distribuição do líquido sagrado que até hoje nos enche de alegria.
Além disso, na Suméria, Mesopotâmia e Egito, elas eram consagradas como Deusas. Inclusive, até hoje são lembradas, Ninkase e Ceres, que eram a representação das mulheres cervejeiras.
Nesse sentido, durante outro período da história, na Inglaterra, temos as “Alewifes”, que eram mulheres cervejeiras que fabricavam cerveja para a venda comercial. Mas, até boa parte da história, não se usava lúpulo na cerveja. E foi só através dos estudos científicos da Hildegard, que demonstrou o poder conservante do lúpulo, que ele passou então a ser utilizado como um insumo na fabricação de cerveja.
Mulher cervejeira: cerveja também é coisa de mulher!
Ao longo do tempo, a cerveja foi cada vez mais desapropriada da mulher e passou a se tornar um produto masculino, tanto na sua produção quanto no seu consumo, ficando para as mulheres o estereótipo da mulher – padrão – representado em seus rótulos como um mecanismo para vender mais o produto aos homens.
Por outro lado, hoje, com um crescente movimento pela representação de todas as pessoas até então invisibilizadas pela sociedade, vemos cada vez mais representação das mulheres, negras e negros e do movimento LGBTQI+ tanto no mercado de cerveja artesanal quanto em diversos setores da sociedade.
Além disso, diversidade na cerveja engloba também a liberdade de poder consumir essa bebida que tanto amamos. Isso porque, mesmo nos dias de hoje, ainda existe uma cultura enraizada de que mulheres não podem sentar em mesas de bar e beber por livre e espontânea vontade.
Sendo assim, a diversidade nas cervejarias deve ser discutida também no âmbito de marketing das grandes empresas cervejeiras do país e do mundo. Nesse sentido, quem lembra do comercial de uma grande marca onde a mulher convida as amigas para conhecer o seu closet, cheio de roupas e sapatos, e o homem convida os amigos para conhecer o seu closet, cheio de cervejas? No primeiro olhar, isso pode não parecer preconceituoso, mas é sim uma propaganda sexista, onde as mulheres têm maior apelo por vestimentas, e os homens, por cerveja.
Honestamente, eu ficaria muito mais feliz com um closet cheio de cervejas do que cheio de sapatos, mas isso cabe a cada pessoa decidir o que mais gosta, e não simplesmente ser definido pelo seu sexo biológico.
Diversidade nas cervejarias e empreendedorismo feminino
Diversidade nas cervejarias diz muito respeito às condições impostas pela sociedade, principalmente em relação ao preconceito, que impacta diretamente nas oportunidades e na valorização do trabalho de pessoas pertencentes a grupos sociais discriminados. Vamos abordar, nesse tópico, questões que perpassam a nossa realidade, que é o ser mulher em uma sociedade muito masculinizada.
Por isso, é importante destacar que o empreendedorismo feminino está cada vez mais em evidência, com uma crescente participação das mulheres em diversos setores do mercado. Contudo, ainda está longe de ser uma tarefa fácil. Primeiro que iniciar um empreendimento requer muito planejamento, desenvolvimento e sobrevivência em um mercado que, sem dúvidas, é competitivo e desafiador. Porém, isso serve para todas as pessoas, e não podemos esquecer que poder aquisitivo também pode ser um fator determinante para o sucesso. Embora as mulheres tenham maior escolaridade que os homens, os desafios são maiores ainda, como, por exemplo:
- Jornada múltipla
- Preconceito
- Falta de incentivos
Nesse sentido, estudos demonstram que as mulheres se dedicam ao cuidados das pessoas e dos afazeres domésticos 73% mais horas do que os homens, totalizando cerca de 18,1 horas/semana. Por outro lado, os homens assumem essas atividades apenas 10,5 horas/semana. Diante disso, muitas mulheres não conseguem se dedicar exclusivamente aos seus negócios, o que representa 30% a menos de dedicação comparado aos homens. Sendo assim, essa múltipla jornada acaba pesando sobre as mulheres, que se sobrecarregam física e psicologicamente.
Outro desafio enfrentado pelas mulheres é o sexismo, preconceito relacionado ao gênero, que faz com que as mulheres sejam julgadas incompetentes para tratar de assuntos relacionados a negócios. Esse preconceito faz com que os ambientes sejam pouco representativos e convidativos às mulheres, principalmente quando se trata de setores de predominância masculina, como na cerveja, tecnologia da informação, engenharia e por aí vai.
Nesse sentido, diversidade nas cervejarias, no âmbito do empreendimento feminino, vem cada vez mais ganhando força a nível nacional, e hoje temos muitas cervejarias que são comandadas por mulheres espalhadas por todos os cantos do brasil. Podemos citar algumas cervejarias, como:
- Japas
- Catimba
- Coletivo Minore
- DaLuz
- Hildegard
- Proa
- Sapatista
- Macuco
- Dádiva
- Teresense
- Noi
- Insurreição
- Rosa Roja
Como promover diversidade nas cervejarias?
Falar sobre diversidade na cerveja é resgatar a ancestralidade do mundo cervejeiro e mostrar para todo mundo que cerveja é coisa de mulher, sim!
Hoje temos mulheres tanto à frente de cervejarias como em diversas áreas do mercado cervejeiro, como é o caso da Science of beer, uma instituição que oferece cursos sobre cerveja no Brasil. Nesse sentido, a Science of beer, além de ter uma mulher na liderança, Amanda Reitenbach, toda a equipe responsável pela administração e gestão da empresa é composta por mulheres. Além disso, a empresa também tem, em seu quadro, uma participação massiva de mulheres, na parte de consultoria, projetos e aulas, como embaixadoras e coordenadoras.
Sendo assim, a Science of Beer faz questão de mostrar que é uma empresa feminista que dá oportunidade e voz às mulheres, mas também conta com homens na equipe, que vestem a camiseta de apoio às mulheres. Dessa maneira, juntos, tentam construir um mercado mais igualitário.
As diferentes esferas da diversidade nas cervejarias
Para pensar na efetiva diversidade nas cervejarias, não podemos nos ater apenas às mulheres e esquecer de diversos outros grupos sociais que, até hoje, também são discriminados pela nossa sociedade.
Nesse sentido, quando olhamos para o meio cervejeiro, vemos marjoritariamente homens brancos. E foi percebendo a falta de negros em eventos cervejeiros que Diego Dias e Daniel Dias fundaram a primeira fábrica cervejeira negra do Brasil – A Implicantes.
Os irmãos fundaram a fábrica no dia 20/11/2018, dia da Consciência Negra, com o intuito de fortalecer a representatividade negra, trazendo personalidades negras essenciais na luta contra o racismo e, também, a cultura negra. Sendo assim, eles levantam questões raciais cotidianas não problematizadas como apelidos supostamente amigáveis (“negão”, “mulata” etc.), expressões enraizadas (“pelas coxas”, “denegrir” etc.), entre outras. Eles vieram para implicar, mesmo!
Por isso, para sermos cada vez mais inclusivos e termos de fato diversidade nas cervejarias, precisamos que as associações de todo o Brasil abracem essa causa e caminhem juntas na busca por uma sociedade igualitária.
E foi justamente pensando sobre isso que a Associação Brasileira de Cerveja Nacional – ABRACERVA – criou, neste ano de 2020, o Núcleo da Diversidade. Nesse sentido, o núcleo já vinha sendo idealizado em 2019 por membros da indústria cervejeira de diversas regiões do país, sendo composto por funcionários, proprietários e profissionais independentes do mercado cervejeiro.
O núcleo se propõem a atuar em questões diretamente associadas às questões igualitárias, representatividade na instituição e promoção, independente de origem geográfica, raça, etnia, identidade de gênero ou sexualidade. Assim, o Núcleo de Diversidade da ABRACERVA acredita que, através da educação, pesquisa e diálogo, é possível debater uma mudança na estrutura do mercado, com o devido reconhecimento de que esta pauta precisa incluir a compreensão dos impactos da discriminação. Dentro dos objetivos núcleo, estão:
- Estabelecer uma estrutura organizacional dentro da Abracerva comprometida com a diversidade, equidade, igualdade e inclusão;
- Promover e fomentar diversidade na comunidade de cervejarias artesanais independentes, incluindo cervejarias, cervejarias ciganas, atacadistas, fornecedores de matérias-primas, varejistas e parceiros, com suporte às iniciativas com relação a esse tema;
- Atrair e manter ativamente uma comunidade diversificada de consumidores e profissionais de cerveja artesanal independente;
- Promover diversidade, equidade, igualdade e inclusão em todas as propriedades públicas da Abracerva, incluindo eventos, publicações, site e mídias sociais da Abracerva.;
- Realizar, promover e divulgar dados para promover diversidade, equidade, igualdade e inclusão em todos os aspectos da comunidade cervejeira artesanal independente;
- Promover e fomentar o aprimoramento da qualidade na fabricação de cerveja, estimulando a inovação, diversidade e melhoria tendo como premissa a conscientização que a diversidade, equidade e inclusão são fundamentais.
Mesmo que hoje exista um crescente movimento em prol da igualdade e da diversidade, nossos direitos estão longes de serem iguais e ainda vivemos em um mundo onde homens brancos têm maiores oportunidades e são mais reconhecidos e valorizados em todas as áreas.
Para alcançarmos uma sociedade de fato justa e igualitária, precisamos de ajuda de todos vocês, precisamos olhar para as pessoas como pessoas, independente de raça, etnia, origem geográfica, identidade de gênero ou sexualidade. Lutar por essas questões significa respeitar e prezar pela vida de qualquer indivíduo. Vamos juntos construir uma sociedade que trate bem toda e qualquer pessoa?