Mulheres na música: a importância das nossas vozes!

As mulheres na música têm se manifestado nos dias de hoje com muita força. Ao mesmo tempo, apesar de sempre estarem presentes, ainda não recebem o devido espaço e reconhecimento.

“Quando se é mulher e se deseja trabalhar com música, percebo que o maior desafio está em conquistar reconhecimento”.
Gabriela Lery
Cantautora

Nesse sentido, vemos cada vez mais artistas se posicionando, se unindo e criando forças dentro e fora do mercado da música. O crescente aumento da participação das mulheres na indústria da música parte de um movimento feminista de conscientização e descobrimento de uma força interna que acaba transformando-se em reconhecimento e visibilidade.

Além disso, o número de mulheres na música tem crescido cada vez mais, e é o que aponta o estudo Por Elas Que Fazem a Música, divulgado pela União Brasileira de Compositores (UBC). Nesse sentido, ele mostra que, de 2018 para 2019, houve um aumento de 56% de pessoas associadas que se identificam como mulheres. Contudo, mesmo com esse aumento, ainda existe uma grande diferença entre a participação de mulheres e homens na indústria da música, onde apenas 10% da arrecadação por direitos autorais são das mulheres, contra 90% dos homens.

Sendo assim, mesmo com o aumento da representatividade das mulheres na música, ainda é preciso quebrar barreiras e tabus e reafirmar que lugar de mulher é, sim, onde ela quiser!

Gabriela Lery: uma potência da cena musical de Porto Alegre!

Para falar sobre mulheres na música, convidamos a maravilhosa Gabriela Lery para contar um pouco da sua trajetória e da inserção das mulheres na música.

Gabriela Lery é cantautora, instrumentista e educadora musical. Além disso, integra o tributo a Rita Lee “Desculpe o Auê” (voz/violão) e a banda instrumental As Aventuras (contrabaixo). Em 2019, Gabriela também lançou o primeiro EP de sua carreira solo, “Coleção”, que traz quatro canções de sua autoria.

Agora, vamos trazer os detalhes da entrevista que fizemos com Gabriela, onde ela nos traz detalhes da sua trajetória:

Você canta desde quando?

Gabriela Lery: É difícil identificar esse início, pois, às vezes, parece que eu já nasci cantando. A música é um elemento presente na minha história desde a barriga da minha mãe, e foi muito importante ao longo do meu desenvolvimento. 

Todas as minhas melhores lembranças – os encontros de família, as festas de colégio etc. – têm, no mínimo, uma coisa em comum: gente fazendo música. E, nesse sentido, eu sempre interagi ativamente com a música – cantando, dançando, tocando, essas coisas.

Como você se descobriu cantora?

Gabriela Lery: O primeiro instrumento que eu tive um contato mais profundo foi o violão. Apesar de estudar música desde os 6, foi com 9 anos que eu senti que estava de fato aprendendo a tocar um instrumento – e que aquilo me fazia muito feliz. 

Na época, eu fazia aulas com o Danichi Hausen Mizoguchi. Ele era filho de uma grande amiga da minha mãe, e me ensinava todas as músicas da Sandy & Junior sem pestanejar. Foi mais ou menos por aí que o canto entrou na minha vida, mais pra acompanhar esse processo de aprender violão do que por qualquer outra coisa. Acho que é por isso que eu nunca me enxerguei como cantora. Até hoje, não me enxergo. O mais perto que cheguei disso foi quando escolhi o canto como instrumento de ingresso no curso de bacharelado em Música Popular. Para mim, o fazer musical sempre esteve muito interligado, eu penso tudo meio junto. Hoje me digo cantautora, alguém que escreve e performa as próprias músicas.

Quem são suas principais referências na vida (pessoal e profissional)?

Gabriela Lery: Tenho a sorte de conviver de perto com pessoas que são minhas referências em todos os âmbitos da vida, a começar pelo meu pequeno núcleo familiar, passando por vínculos um pouco mais distantes e chegando às minhas relações de amor e de amizade. 

 

Muito de mim é reflexo do que eu vivo em família – minha mãe me ensina a sonhar grande, meu pai me ensina a ter coragem, meu irmão me ensina a ser mais paciente e dedicada. Também carrego muitas lembranças de professoras e professores que marcaram minha trajetória, e acho que não é à toa que hoje me dedico à educação musical. 

 

Artisticamente, costumo estar atenta aos trabalhos de outras mulheres, de diferentes tempos, lugares e estilos. Algumas que acompanho e admiro são Annie Clark (St. Vincent), Brittany Howard (Alabama Shakes), Isabel Nogueira (bel_medula), Jordana Henriques, Letícia Novaes (Letrux), Maria Beraldo (Bolerinho / Quartabê), Nina Nicolaiewsky, Rita Zart, Sara Nina (Zanzar) e Thays Prado.

Como é a sua relação com a música?

Gabriela Lery: Minha relação com a música é parte prazer, parte necessidade. O momento da performance, seja num palco ou na sala da casa de alguém, é o momento em que eu me sinto acesa, potente, viva. E, por ter essa relação tão forte, os períodos em que eu não consigo estar tão artisticamente ativa me trazem um vazio enorme. É como se fazer música fosse o meu combustível para conseguir fazer todo o resto que a vida demanda.

Como você vê a mulher inserida na cena de Porto Alegre?

Gabriela Lery: A cena de Porto Alegre que eu enxergo é a cena de Porto Alegre que eu integro. Desse modo, me cabe falar a partir da perspectiva de uma artista mulher, lésbica, independente, em início de carreira, que circula por bairros centrais da cidade (Centro, Cidade Baixa, Bom Fim, São Geraldo etc.), frequentados por uma maioria branca de classe média alta. 

Nesse recorte, me parece que a presença da mulher ainda reproduz muito do estereótipo que se enxerga na música popular de massa: a mulher cantora, às vezes em carreira solo, às vezes à frente de uma banda majoritariamente ou totalmente masculina. Percebo que as mulheres compositoras, as mulheres instrumentistas e as bandas compostas majoritariamente ou totalmente por mulheres ainda são minoria – e, se formos falar das mulheres que atuam nas partes técnicas, esses números se tornam ainda menores. 

Nesse recorte, também é muito pequena a representatividade de mulheres negras e trans. Iniciativas como o Projeto Concha, o Girls Rock Camp Porto Alegre, o Festival de Compositoras Sonora e o Mulheres Amplificadas já fizeram e fazem suas partes para transformar a realidade dessa cena, e muitas artistas (incluindo eu) têm aproveitado esses espaços para aumentar o alcance de seus trabalhos. 

Mas, quando olhamos além dessas pequenas bolhas que nos são tão maravilhosas e seguras, ainda nos deparamos com uma enorme quantidade de eventos que nos invisibilizam. Os lugares de protagonismo ainda são dos homens.

Quais são as principais barreiras que você precisou enfrentar, enquanto mulher, para se colocar no meio musical? Você ainda sofre com isso?

“A mediocridade é um privilégio dos homens”.
Gabriela Lery
Cantautora

Gabriela Lery: Quando se é mulher e se deseja trabalhar com música, percebo que o maior desafio está em conquistar reconhecimento. 

Sempre que vamos tocar em eventos ou gravar em estúdios, sabemos que provavelmente vamos encontrar uma equipe técnica formada por homens cis – e esses homens costumam partir do pressuposto de que sabem mais do que nós. Muitas vezes, eles vão pensar que nós não somos capazes de afinar as nossas guitarras, trocar os pratos das nossas baterias, timbrar os nossos amplificadores de baixo. 

Esses espaços nos foram negados por tanto tempo que, hoje, quando os ocupamos, a sensação é de que precisamos provar constantemente que temos condições de estar ali. E, para que isso seja enxergado, minha impressão é de que precisamos ser ótimas sempre. A mediocridade é um privilégio dos homens. 

Essa luta por reconhecimento ainda é uma barreira que se refaz a cada novo lugar que chegamos; mas, quanto mais a enfrentarmos, quanto mais chegarmos a esses lugares e ocuparmos as nossas cenas, penso que ela pode, pouco a pouco, se mostrar vã.

Quais são os seus principais trabalhos?

Gabriela Lery: Artisticamente, me dedico hoje à minha carreira solo e à banda As Aventuras, que integro como contrabaixista. Também trabalho nas escolas de música EArte e Piano & Cia., além de dar aulas particulares de violão, teoria e percepção musical, técnica vocal e composição de canção. 

Neste ano, também participei da criação da Corda Solta, produtora cultural formada por mulheres, que se dedica a criar experiências musicais plurais.

Quais são as suas perspectivas em relação à música depois da pandemia?

Gabriela Lery: Eu torço por uma valorização dos shows, dos encontros, das oportunidades de se fazer música num mesmo espaço-tempo. Por outro lado, acho que as transmissões ao vivo podem ter vindo pra ficar, e que a gente talvez continue a consumir shows nesse formato também. 

Quanto à produção musical, me parece que a pandemia reforçou ainda mais a noção de que música pode sim ser feita em casa, com equipamentos simples e acessíveis. Eu mesma gravei um disco inteiro dessa forma. 

 

Além disso, fico com a impressão de que as pessoas têm entendido cada vez mais a importância não só da música, mas de todas as artes nas suas vidas. E essa combinação de dar autonomia às pessoas artistas e educar o público quanto à relevância do produto artístico me parece bastante promissora tanto em termos criativos, quanto em termos de mercado.

Mulheres na música e a Sapatista

Nós da Sapatista sempre buscamos valorizar o trabalho das mulheres em diversas áreas, inclusive na música. E foi buscando esse propósito que surgiu o Sapatista ao vivo, um evento que acontece a cada quinze dias, sempre às segundas-feiras às 20h, através de lives pela plataforma do Instagram, que se propõe a convidar mulheres para um super bate-papo sobre temas variados, mas especialmente mulheres na música. Vocês podem conferir através do nosso canal no IGTV todas as nossas lives, inclusive as duas edições com a Gabriela Lery.

Conheça mais o trabalho da Gabriela Lery através dos seguintes canais:

Site: gabrielalery.com
Instagram: @gabrielalery
Facebook: Gabriela Lery