A cerveja tornou-se tão importante para a antiga cultura mesopotâmica que os sumérios criaram uma deusa para representar a bebida, e um poeta anônimo, apaixonado por seus poderes, escreveu um hino para ela em 1800 D.C. Ninkasi é considerada a deusa da bebida, da cerveja e do álcool. Nascida de uma fonte de água fresca, seu nome significa “senhora que enche a boca”. Seu pai era Enqui, o deus das águas doces, e sua mãe Ninti, deusa dos relevos. Ela é a deusa que representa a satisfação do desejo e a saciedade do coração. Segundo a mitologia, Ninkasi era responsável por preparar bebida todos os dias para os outros deuses. No artigo de hoje do blog da Cerveja Sapatista, vamos conhecer melhor a história dessa deusa e sua relação com a bebida que amamos.
A origem da Cerveja na Mesopotâmia
Assim que os humanos se estabeleceram e aprenderam a cultivar grãos, cerca de 13.000 anos atrás, a possibilidade de fermentar bebidas e alimentos se apresentou. Dessa forma, a cerveja tem sido descrita como a “parteira da civilização” devido ao seu papel central na agricultura, comércio, urbanização e medicina.
As primeiras evidências para a fabricação de cerveja, datando de 3500-3100 a.C., indicam que foi na região da Mesopotâmia que a história da bebida iniciou. No assentamento sumério de Godin Tepe, no Irã moderno, em 1992 d.C., arqueólogos descobriram traços químicos de cerveja em um frasco fragmentado, datando de meados do século IV a.C. No mesmo local, ainda foram encontradas evidências da fabricação rudimentar de vinhos. Assim, o processo de fermentação natural dos grãos pode ter inspirado a criação tanto do vinho quanto da cerveja.
Na antiga Mesopotâmia, a cerveja era muito valorizada, e um produtor de cerveja experiente teria vivido muito confortavelmente caso a bebida fosse fabricada comercialmente nessa época. Nesse contexto, até uma cervejeira caseira poderia ter feito uma vida confortável trocando cerveja por outros itens. A cerveja que era consumida diariamente e em grande quantidade em festivais religiosos e celebrações tinha suas qualidades divinas e sublimes para os poetas e sábios sumérios, e era considerada a bebida dos deuses.
Já na época da antiga Babilônia, parecia existir mais de 70 variedades de cervejas diferentes, e pensava-se que a bebida tinha qualidades de cura e elevação que só poderiam melhorar a vida de alguém. Porém, as bebidas produzidas nessa época distante, provavelmente, eram bem diferentes do que conhecemos hoje como cerveja. Para as cervejeiras modernas, o aspecto mais interessante dessas cervejas é que elas eram feitas de pão, e os lúpulos eram aparentemente desconhecidos.
Hino a Ninkasi
Um hino foi escrito em homenagem a Ninkasi em aproximadamente 1800 a.C, embora existisse através da tradição oral muito antes disso. Dedicado à deusa, o Hino a Ninkasi pode ser considerado, ao mesmo tempo, uma canção de louvor a deusa sumeriana da cerveja e uma antiga receita de fabricação de cerveja, relatando técnicas de produção que eram utilizadas muito tempo antes de sua composição. Segundo o estudioso Paul Kriwaczek, o hino reflete “as técnicas de mil anos antes” e, na época em que foi escrito, havia muitas variedades diferentes de cerveja na Mesopotâmia e novos métodos empregados na fabricação de cerveja. O escrito é um dos mais antigos conhecidos a serem documentados e preservados e foi traduzido de duas tábuas de argila por Miguel Civil, professor de Sumerologia da Universidade de Chicago. Em uma época onde poucas pessoas eram alfabetizadas, o Hino a Ninkasi, proporcionou uma maneira fácil de lembrar a receita de cerveja. Provavelmente, foi cantado enquanto os antigos sumérios fabricavam sua cerveja.
No ano de 1989, a cervejaria Anchor produziu uma edição limitada da Cerveja Ninkasi, que foi fabricada utilizando a receita descrita no hino. O fundador, Fritz Maytag, apresentou os resultados na reunião anual da Associação Americana de Micro Cervejeiros em 1991. Os cervejeiros foram capazes de provar a cerveja Ninkasi, bebendo-a de grandes jarros com canudos de bebida, como era feito há quatro milênios. A cerveja tinha uma concentração de álcool de 3,5%, muito semelhante às cervejas modernas, e tinha um sabor seco carente de amargor, semelhante à cidra de maçã.
Confira abaixo o hino que inspirou a receita:
Nascida da água corrente (…)
Delicadamente cuidada por Ninhursag
Nascida da água corrente (…)
Delicadamente cuidada por Ninhursag
Tenho fundado sua cidade pelo lago sagrado,
Ela rematou-a com grandes muralhas por você,
Ninkasi, fundando sua cidade pelo lago sagrado,
Ela rematou-a com grandes muralhas por você.
Seu pai é Enki, Senhor Nidimmud,
Sua mãe é Ninti, a rainha do lago sagrado,
Ninkasi, seu pai é Enki, Senhor Nidimmud,
Sua mãe é Ninti, a rainha do lago sagrado.kasi
Você é a única que maneja a massa,
com uma grande pá,
misturando em uma cova o bappir com ervas aromáticas doces,
Ninkasi, você é a única que maneja a massa com uma grande pá,
misturando em uma cova o bappir com tâmaras ou mel.
Você é a única que assa o bappir no grande forno,
Coloca em orgem as pilhas de sementes descascadas,
Ninkasi, você é a única que assa o bappir no grande forno,
Coloca em orgem as pilhas de sementes descascadas,
Você é a única que rega o malte jogado pelo chão,
Os cães fidalgos mantém distância, até mesmo os soberanos,
Ninkasi, você é a única que rega o malte jogado pelo chão,
Os cães fidalgos mantém distância, até mesmo os soberanos.
Você é a única que embebe o malte em um cântaro,
As ondas surgem, as ondas caem.
Ninkasi, você é a única que embebe o malte em um cântaro,
As ondas surgem, as ondas caem.
Você é a única que estica a pasta
assada em largas esteiras de palha,
a frialdade dominou.
Ninkasi, você é a única que estica
a pasta assada em largas esteiras de palha,
a frialdade dominou.
Você é a única que segura com ambas as mãos
o magnífico e doce sumo.
Fermentando-o com mel e vinho
(Você, o doce sumo para o eleito)
Ninkasi, (…)
(Você, o doce sumo para o eleito).
O barril filtrador, que faz
um som agradável,
Você ocupa apropriadamente o topo
de um grande barril coletor.
Ninkasi, o barril filtrador,
que faz um som agradável,
Você ocupa aproriadamente o topo
de um grande barril coletor.
Quando você despeja a cerveja filtrada
do barril coletor,
é como os barulhos dos cursos
do Tigris e do Euphrates.
Ninkasi, você é a única que despeja
a cerveja filtrada do barril coletor,
é como os barulhos dos cursos
do Tigris e do Euphrates.
Ninkasi: inspiração para a Sapatista!
Como vimos no texto de hoje do blog, a origem das primeiras cervejas produzidas é muito antiga e, ao que tudo indica, quase certamente essa atividade foi iniciada e cultivada por mulheres. De acordo com os povos antigos, a cerveja foi criada para fazer o coração sentir luz, e a deusa responsável por tal elevação foi Ninkasi. É por isso que a deusa é inspiração para a pintura da fachada do nosso novo bar, um empreendimento que estamos sonhando e realizando em parceria com a cerveja DaLuz. Em breve, estaremos prontas para receber vocês!
