Como você já aprendeu nas últimas semanas por aqui, a cerveja é produzida a partir de quatro principais ingredientes: água, malte, levedura e lúpulo. Desses componentes, um dos mais enigmáticos é o lúpulo, já que ele não cresce espontaneamente aqui no Brasil.
Mas, afinal, o que exatamente é o lúpulo e como ele influencia no produto final que chega a nosso copo? Hoje, aqui no blog da Cerveja Sapatista, vamos aprender um pouco mais sobre essa plantinha que faz a cabeça das cervejeiras e cervejeiros!
O que é lúpulo?
O lúpulo é uma planta que pertence à família Cannabaceae, a mesma da maconha, e seu gênero é o Humulus. Seu nome científico é Humulus Lupulus.
Essa planta é do tipo trepadeira, cultivada verticalmente e, além de sua utilização na produção de cerveja, é utilizada como planta ornamental em jardins nas regiões com clima favorável para seu cultivo.
Além disso, pesquisas científicas indicam que o lúpulo possui propriedades relaxantes, podendo ser empregado também para fins terapêuticos.
Do ponto de vista do processo cervejeiro, os componentes mais importantes da planta são as resinas, os polifenóis e os óleos essenciais. Para a produção da cerveja, são utilizados somente os cones das plantas femininas.
Primeiramente, era utilizado o Gruit, uma série de ervas, raízes e frutas secas, como principal condimento, até que, em meados do século XIII, o lúpulo começou lentamente a substituir o Gruit.
O lúpulo é usado de diferentes formas na indústria cervejeira, podendo ser utilizado na forma de extrato, flores inteiras ou pellets. Existem mais de 100 diferentes variedades de lúpulo, as quais variam, principalmente, de acordo com a concentração de alfa e beta ácidos.
Cultivo de lúpulo no Brasil
A planta é muito sensível ao clima e deve ser cultivada em regiões com longos invernos e verões amenos e chuvosos.
Atualmente, 80% da produção mundial está na Alemanha, Estados Unidos, China e República Tcheca. O maior país produtor é a China (49,2 bilhões de litros), seguido pelos Estados Unidos (22,6 bilhões de litros). Entretanto, tais países não se caracterizam como os maiores mercados consumidores, sendo a República Tcheca o maior consumidor (147,1 litros per capita em 2014). Em segundo lugar, está a Namíbia, com 108,9 litros per capita e, em terceiro lugar, a Áustria (105,9 litros per capita).
Existem muitos relatos sobre a chegada do lúpulo ao Brasil; porém, poucos documentos. Nesse sentido, o primeiro documento técnico sobre lúpulo foi publicado por uma Revista Agrícola do Rio de Janeiro no ano de 1885, a qual descreveu agronomicamente a cultura do lúpulo pela primeira vez por aqui.
No estado do Paraná, os relatos apontam para o ano de 1869, com mudas trazidas por imigrantes poloneses que cultivavam lúpulo em casa para o uso em suas cervejas. Já no Rio Grande do Sul, o cultivo começou por volta do ano de 1953, na região de Nova Petrópolis, próximo a Gramado. Nesse caso, as mudas foram trazidas por um imigrante alemão que foi incumbido por uma cervejaria local de cultivar lúpulo na região.
Brasil e a importação de lúpulo
O Brasil, atualmente, importa toda sua demanda de lúpulo de países como EUA e Alemanha, o que o torna mais caro e com qualidade reduzida, devido ao tempo de armazenamento e transporte.
No entanto, o Brasil se situa como o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, com uma produção anual de 14 bilhões de litros em 2014 e aumentando gradativamente.
Produção de lúpulo no Brasil
A produção de lúpulo no Brasil enfrenta alguns obstáculos, visto que a planta tem demandas específicas de clima e de luz solar, necessitando de cerca de 17h de luz solar durante sua floração.
Entretanto, certas variedades têm se adaptado ao clima do Brasil e conseguiu-se produção significativa, e a produção de lúpulo por aqui está aumentando, promovendo ganhos para os produtores, gerando maior renda e empregos.
Em uma história mais recente, a cultura renasceu e, no ano de 2005, surgiu a primeira variedade de lúpulo nacional, conhecida como Mantiqueira, fazendo referência à Serra de mesmo nome onde foi descoberta.
Com o ressurgimento dos cervejeiros caseiros, a tendência das chamadas cervejarias artesanais e a demanda dos brasileiros por cervejas de melhor qualidade, fez surgir outras iniciativas de cultivo de lúpulo pelo Brasil afora. Então, foram trazidas diversas variedades para cá, algumas delas se adaptaram muito bem.
Hoje, temos lúpulos de qualidade sendo cultivados de Norte a Sul do Brasil. Em 2018, o cultivo de lúpulo no Brasil ganhou muita força com a criação da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo – APROLÚPULO.
Atualmente, temos aproximadamente 60 hectares de lúpulo sendo cultivados pelo Brasil, sendo no estado de Santa Catarina a maior concentração de produtores.
De acordo com o professor da Escola Superior de Cerveja e Malte, Duan Ceola, não é apenas o cultivo do lúpulo que vem se destacando no Brasil. As pesquisas científicas vêm ganhando espaço com grupos de pesquisadores espalhados pelo Brasil todo, com publicações em revistas científicas nacionais e internacionais, mostrando que o lúpulo no Brasil possui características únicas e que podem ser impactantes na produção de cerveja por aqui.
Quais os benefícios do lúpulo para a cerveja?
O lúpulo exerce papel essencial na fabricação das cervejas, já que é ele o responsável por conferir o amargor e também traz aromas e sabores à bebida.
A lupulagem é o nome da etapa da fabricação da cerveja em que o lúpulo é adicionado ao mosto. Para que todas as propriedades do lúpulo sejam preservadas, a sua adição ao mosto é feita em dois momentos principais:
- No início da fervura, para se extrair o máximo possível de amargor do lúpulo;
- Ao final da fervura, para extrair e “armazenar” os aromas do lúpulo.
A forma de utilização do lúpulo no processo produtivo vai variar de acordo com o estilo de cerveja fabricado. Assim, diferentes quantidades e adições vão ser utilizadas para cada receita. Nesse sentido, é importante destacar que existem diferentes variedades de lúpulos que podem ser utilizados, proporcionando aromas florais, herbais, frutados e condimentados. Para a produção de cerveja, o lúpulo é utilizado em pequenas quantidades. São necessários de 40 a 300 gramas para produzir 100 litros de cerveja, variando conforme o estilo da bebida.
Além disso, o lúpulo também vai atuar como um conservante natural, inibindo a ação deteriorante de bactérias e aumentando a vida útil da cerveja.
No processo de produção de cerveja, após a mostura e filtração do mosto, é iniciada a fervura. Geralmente, na etapa da fervura, com o mosto em alta temperatura, o lúpulo é adicionado. Com as altas temperaturas, ocorre a isomerização de algumas resinas das flores do lúpulo, transformando suas resinas menos solúveis (alfa-ácidos) em compostos mais solúveis em água (iso-alfa-ácidos). Por serem mais solúveis, os iso-alfa-ácidos conferem amargor em maior intensidade à cerveja.
Resumindo, são os alfa-ácidos presentes nas resinas do lúpulo que são responsáveis pelo amargor da cerveja, a principal característica que esse importante ingrediente traz para a bebida. Já os polifenóis contidos no lúpulo irão ter influência no paladar e no corpo da cerveja, além de contribuírem com o efeito bacteriostático que citamos acima, que auxilia no aumento do tempo de prateleira da cerveja.
Por fim, temos ainda os óleos essenciais, os responsáveis por levar os aromas dos lúpulos para a cerveja. Esses óleos essenciais são compostos voláteis e, durante a fervura do mosto, a maior parte destes compostos são eliminados. Para garantir, então, que o lúpulo cumpra bem o seu papel e o aroma permaneça na bebida, os cervejeiros costumam fazer ainda uma adição de lúpulo extra na parte fria do processo, conhecida como dry hopping.
Hildegard von Bingen: a santa padroeira do lúpulo
Há alguma controvérsia sobre como o lúpulo começou a ser utilizado na fabricação da cerveja. A história mais aceita diz que foi a Hildegard von Bingen, uma monja do século XII (1098-1179) a primeira pessoa a relatar a utilização do lúpulo na cerveja de forma científica, especialmente com o intuito de aumentar a vida útil do líquido. É dela também o primeiro relato de um orgasmo feminino.
Além de ter ficado nos livros da História como música e escritora, foi conselheira e médica de Frederico I, líder do Império Românico-Germânico, e conhecedora do mundo natural e da influência de várias ervas na saúde humana. Num dos vários livros que escreveu, ao qual chamou Physica, Hildegard descreve as qualidades do lúpulo, enquanto conservante, quando este é adicionado a uma bebida como a cerveja. No mesmo livro, Hildegard afirma que o lúpulo aumentava a melancolia de quem bebe a cerveja, uma observação pertinente, já que hoje sabemos que o lúpulo pode ter um ação calmante no nosso organismo, promovendo o sono.
A padroeira do lúpulo
Conhecida informalmente como a “padroeira do lúpulo”, Hildegard tem outros títulos. Foi beatificada em 1326 pelo papa João XXII e canonizada em Maio de 2012 pelo Papa Bento XVI. Nesta data, foi ainda nomeada “Doutora da Igreja”, sendo apenas a quarta mulher a receber tal distinção.
E aí, gostou de saber mais sobre essa planta maravilhosa? Vale destacar que as cervejarias combinam diferentes variedades de lúpulo, a fim de conseguir cervejas únicas. Um fato interessante é que as cervejas artesanais apresentam um valor muito mais elevado de lúpulo do que as cervejas de massa, o que confere a essas cervejas sabores mais diferenciados.