Nós já falamos um pouco sobre estilo de cerveja e hoje vamos abordar a Escola Americana de cerveja, que é marcada por intensidade e exageros. Apesar de ter sido a última escola a ser reconhecida, hoje produz os estilos de cervejas mais consumidos mundialmente.
Nesse sentido, a Escola Americana é a mais recente das escolas cervejeiras, e ela mistura um pouco das outras 3 escolas de um jeito completamente diferente. Sendo assim, as cervejas são mais amargas, encorpadas e alcoólicas, e o resultado disso são cervejas extremas e complexas.
Além disso, os lúpulos tipicamente americanos trazem um perfil sensorial mais cítrico, frutado e resinoso.
Escola Americana: como tudo começou?
Até o século XVI, quando o continente americano estava sendo colonizado pelos europeus, as tribos nativas da América do Norte já produziam uma bebida fermentada com ingredientes nativos, principalmente utilizando milho. Com a chegada de imigrantes alemães e ingleses, levaram junto suas culturas cervejeiras.
No ano de 1920, buscando efetivar medidas contra o abuso do álcool, foi estabelecida a Lei Seca (“Prohibition”) que perdurou até o ano de 1933, que proibia a fabricação, transporte e venda de bebida alcóolica em todo território Americano. Nesse período, muitas cervejarias, principalmente as pequenas, fecharam as portas, e outras tiveram que se adaptar e fabricar outras bebidas que não fossem alcoólicas, como cerveja sem álcool, sucos e refrigerantes.
Acreditava-se que a medida também salvaria o país de outros problemas, como a pobreza e a violência. No entanto, o resultado foi completamente oposto ao esperado. Houve aumento da corrupção, da criminalidade e o enriquecimento das máfias que passaram a dominar o contrabando de bebidas alcoólicas, principalmente liderados por Al Capone, e surgiram diversos bares clandestinos que ficavam localizados nos subterrâneos das cidades americanas.
Após a revogação da Lei, em 1933, as pequenas cervejarias que conseguiram sobreviver se viram em desvantagens com grandes cervejarias, como a Budweiser, que cresceram muito em pouco tempo, passando a se tornarem gigantes do mercado. Nesse sentido, o crescimento das grandes cervejarias foi tão grande que a cota de mercado nos EUA das cinco maiores cervejarias, entre os anos de 1940 a 1980, passou de 19% para 75%.
Para termos noção da quantidade de cervejarias que precisaram fechar as portas durante a lei seca, em 1873, existiam 4.000 cervejarias e, em 1980, eram menos de 50 cervejarias. Além disso, apenas no ano de 2015 é que os EUA alcançaram novamente as 4 mil cervejarias. Mas foi nesse período, conhecido como a Revolução das Cervejas Artesanais, que o craft brew começou a crescer e apostar na diversificação de estilos e ir para o lado oposto das grandes cervejarias que dominavam o mercado com um único estilo.
Uma das primeiras fábricas a fazer isso foi a Anchor Steam Brewery, que, em 1965, foi adquirida por Fritz Maytag, que apostou em estilos como Cream Ale, India Pale Ale e Porter. Nesse mesmo período, surgem outras microcervejarias e se tem um aumento significativo da produção caseira.
Principais estilos da Escola Americana de cerveja:
A escola Americana faz uma releitura de outros estilos de cervejas das outras escolas de forma criativa e “exagerada”, utilizando insumos americanos marcantes, principalmente pela grande variedade de lúpulos, como os famosos Citra, Cascade, Amarillo, Simcoe e Mosaic. Os principais estilos dessa escola são:
American Style Lager
São cervejas neutras, refrescantes e muito carbonatadas, leves no corpo e no sabor. Além disso, possuem sabor sutil, sem nenhum ingrediente que domine, com um suave dulçor residual do malte.
São comumente utilizados adjuntos como milho, arroz e outras fontes de açúcares. No geral, são cervejas com amargor, aroma e sabor suaves, podendo conter leves ésteres frutais, e o teor alcoólico varia de 4,1% a 5,1% vol.
American Style Light Lager
Esse estilo apresenta coloração muito clara e um corpo leve. Além disso, seu valor calórico não pode ultrapassar 37 kcal por 100 ml. Outras fontes de carboidratos como arroz e milho são comumente utilizados. Basicamente não apresenta sabor, aroma e amargor, podendo conter sutis ésteres frutados. Seu teor alcoólico varia de 3,5% a 4,4% vol.
American Style Pale Ale
Cerveja de coloração dourado profundo a cobre, com aroma e sabor de lúpulos elevados, exibindo características florais, frutadas, enxofre/diesel, cítricas ou resinosas que normalmente são associadas aos lúpulos americanos.
São cervejas de médio a médio-alto amargor (comparadas à versão Inglesa), com presença de malte média a baixa e corpo médio, podendo conter ésteres frutais em concentrações baixas a elevadas. Seu teor alcoólico varia de 4,4% a 5,4% vol.
American Style India Pale Ale
Cerveja da escola Americana com presença intensa de lúpulos no aroma e sabor e com teor alcoólico médio-alto. Esse estilo se caracteriza por toques florais, cítricos, frutados, resinosos ou sulfurosos associados às variedades americanas de lúpulo.
São cervejas secas, com presença média a médio-baixa de malte e corpo médio a médio-baixo. Ésteres frutais podem estar presentes em concentrações baixas a elevadas. Seu teor alcóolico varia de 6,3% a 7,5% vol.
Double Pale Ale
Cerveja com presença intensa de lúpulos, tanto no aroma, quanto no sabor e amargor com teor alcoólico elevado e muito evidente. Aqui, é aceita qualquer variedade de lúpulos, que mantenha um perfil intenso, fresco e balanceado com ésteres em intensidade média a elevada e baixa a elevada presença de malte. O lúpulo contribui com frescor e vida à cerveja, sem deixar um amargor residual desagradável. O teor alcoólico varia de 7,6% a 10,6% vol.
Juicy Pale Ale
Cerveja da escola americana também conhecida como Haze Pale Ale e que vem ganhando cada vez mais popularidade no mundo inteiro. Sua coloração varia do amarelo palha a dourado profundo, com uma turbidez que pode ser baixa a muito intensa (amido, levedura, lúpulo, proteínas, aveia e trigo contribuem para a turbidez da cerveja e são comumente utilizados neste estilo).
Amargor e sabor de lúpulo vai de médio-alto a muito alto; porém, é muito bem equilibrada. Os ésteres frutais podem estar presentes em intensidade baixa a média e seu teor alcoólico varia de 4,4% a 5,4% vol.
Juicy India Pale Ale
Também conhecida como Hazy India Pale Ale, apresenta uma coloração que vai do amarelo palha ao dourado profundo, com uma turbidez que pode ser baixa a muito intensa (amido, levedura, lúpulo, proteínas, aveia e trigo contribuem para a turbidez da cerveja e são comumente utilizados neste estilo).
Aroma e sabor de lúpulo médio-alto a muito alto com características típicas de qualquer variedade de lúpulos americanos. Amargor médio-baixo a médio, com ésteres frutais podendo estar presente em intensidade baixa a média, e corpo médio-baixo a médio-alto. Seu teor alcoólico varia de 6,3% a 7,5% vol.
Juicy Double India Pale Ale
Também chamada de Hazy Imperial India Pale Ale, apresenta uma coloração amarelo palha a dourado profundo com uma turbidez que pode ser baixa a muito intensa (amido, levedura, lúpulo, proteínas, aveia e trigo contribuem para a turbidez da cerveja e são comumente utilizados neste estilo). Ésteres frutais podem estar presentes em intensidade baixa a média, de corpo médio a alto, e teor alcoólico que varia de 7,6% a 10,6% vol.
Fresh Hop Beer
Essa cerveja da escola americana também é conhecida como Wet Hop Beer e é produzida utilizando lúpulos frescos, recém colhidos, e tem como estilo base qualquer outro estilo da escola americana. Por exemplo, pode-se fazer uma Fresh Hop Beer utilizando como base uma American Style Pale Ale (ou qualquer estilo), desde que se utilize os lúpulos frescos.
As outras características da cerveja são similares ao estilo-base, com nuances adicionais do lúpulo remetendo a verde, grama cortada e outros atributos dos lúpulos frescos. Em geral, são cervejas para serem consumidas muito frescas visando destacar as características do lúpulo recém colhido.
American Amber Ale
Cerveja de coloração cobre suave a marrom claro, de sabor, aroma e amargor médios. Presença de malte média-alta a alta, acompanhada de suaves notas carameladas, que podem mascarar o lúpulo no aroma e balanceá-lo no sabor.
Apresenta níveis baixos a moderados de ésteres frutais no sabor e aroma. Essa cerveja é uma American Pale Ale com mais corpo e mais presença de malte remetendo a caramelo. Seu teor alcoólico varia de 4,4% a 6,1% vol.
Double Hoppy Red Ale
Essa cerveja da escola americana é uma das nossas favoritas, e é neste estilo que se encaixa a nossa Incendiária, já premiada medalha de ouro na Copa Sul Americana de Cerveja 2019 e na Copa Internacional de Cerveja Poa 2019.
Apresenta uma coloração âmbar profundo a cobre escuro, de amargor intenso e presença marcante de aroma e sabor de lúpulo, balanceado com as outras características da cerveja. Apresenta um caráter de malte caramelo de médio a elevado e notas levemente tostadas em intensidade média. Seu teor alcoólico varia de 6,1% a 7,9% vol. As cervejas consideradas neste estilo são as que popularmente chamamos de Red IPA.
Imperial Red Ale
Cerveja de cor âmbar profundo a cobre escuro, de intenso amargor e presença marcante de aroma e sabor de lúpulo, com elevado corpo e teor alcoólico. Apesar do elevado lúpulo, o aroma é balanceado por ésteres frutais em concentrações médias, alcoóis superiores e malte caramelizado em intensidade média a alta. Seu teor alcoólico varia de 8% a 10,6% vol.
American Style Barley Wine Ale
Cerveja de coloração âmbar a cobre intenso, de corpo intenso e elevado residual adocicado de malte. Apresenta uma complexidade de alcoóis e ésteres frutais elevados e contrabalanceados com o elevado amargor e extremo teor alcoólico. Sabor e aroma de lúpulo são médios a muito elevados. Notas de toffee e caramelo, assim como notas de oxidação como sherry e outras notas de vinho são bem-vindas ao estilo quando balanceadas com as outras características. O teor alcoólico varia de 8,5% a 12,2% vol.
American Style Brown Ale
Cerveja de coloração cobre profundo a marrom, com caráter de maltes torrados, caramelo e chocolate em intensidade média tanto no sabor quanto no aroma. Apresenta aroma evidente de lúpulo, amargor médio a alto e sabor de lúpulo moderado. De corpo médio e ésteres frutais em segundo plano. Seu teor alcoólico varia de 4,2% a 6,3% vol.
American Style Sour Ale
Apresenta acidez proveniente de bactérias lácticas, acéticas ou outros microorganismos, exceto Brettanomyces. Ésteres frutais aparecem em níveis moderados a intensos e são evidentes. O aroma de lúpulo é evidente, mas pode variar de baixa a elevada intensidade. Barris de madeira podem ser utilizados durante a fermentação, mas, neste estilo, não devem conferir sabores à cerveja.
American Style Stout
Cerveja de coloração cobre profundo a marrom muito escuro. Apresenta um dulçor residual de malte baixo a médio, com notas de caramelo, chocolate e café torrado. Aromas de café e cevada torrada são evidentes, acompanhados de notas intensas de lúpulos cítricos ou resinosos. Corpo médio a alto e amargor elevado. Pequena adstringência e acidez provenientes dos maltes torrados são permitidas, com aftertaste tostado e seco, poucos ésteres frutais e excelente estabilidade da espuma. Seu teor alcoólico varia de 5,7% a 8,0% vol.
American Style Imperial Stout
De coloração preta, similar a American Stout; porém, com maior teor alcoólico e mais robusta. Aroma extremamente rico em malte e balanceado com lúpulo e ésteres frutais. Notas aromáticas de lúpulo são moderadamente elevadas e intensamente florais, cítricos ou herbais.
A adstringência e o amargor do amlte torrado podem ser moderadamente percebidos, mas não devem se sobrepor ao caráter principal da cerveja. O amargor é elevado e balanceado com o residual adocicado do malte e o teor alcoólico varia de 7% a 12% vol.
American Style Imperial Porter
Cerveja de coloração marrom escuro a preto. Não devem apresentar notas de malte queimado ou adstringência proveniente de maltes torrados. Notas de malte que remetem ao caramelo e cacau com dulçor residual de malte devem estar em harmonia com o amargor médio-baixo a médio. O corpo é elevado, com ésteres frutais evidentes e complementando a intensidade do malte e do lúpulo. Aroma de lúpulo deve variar entre bem baixo a moderado e seu teor alcoólico varia de 7% a 12%.
American Style Black Ale
Cerveja de coloração muito escura a preta, com amargor, sabor e aroma de lúpulo médio-alto a alto. Notas frutadas, cítricas, florais, resinosas e herbáceas dos lúpulos podem ser encontradas. Apresenta grau equilibrado e moderado de malte caramelizado e sabor e aroma de malte escuro torrado. Elevada adstringência e elevado grau de malte torrado ou queimado deve estar ausente. O teor alcoólico varia de 6,3% a 7,6% vol..
Session India Pale Ale
Cerveja de coloração dourada a cobre, com ésteres frutais no aroma e, no sabor, aparecem em intensidade leve a moderada. Aroma e sabor de lúpulo são médios a intensos, de amargor médio a elevado, e corpo baixo a médio. Seu teor alcoólico varia de 3,7% a 5% vol.
California Common Beer
Cerveja de coloração âmbar claro a âmbar, corpo médio e um alto grau de malte caramelizado tanto no sabor quanto no aroma. O amargor vai de médio a médio-alto e é equilibrado pelo malte. Ésteres frutais em níveis que variam de baixo a médio-baixo. O aroma e sabor de lúpulo vão de baixo a médio-baixo (normalmente utilizada a variedade Northen Brewer). É um estilo de cerveja produzido com leveduras lager; porém, em temperatura de fermentação das ales.
Escola Americana de cerveja: conheça 4 curiosidades!
A fabricação de cerveja artesanal começou seu movimento na California no final dos anos 1970. Contudo, logo no início de 1980, as cervejarias começaram a enfrentar alguns problemas, e o principal deles era a falta de capital financeiro. Nesse sentido, as cervejarias não possuíam um grande aporte financeiro para investir em suas fábricas e era preciso um bom capital de giro o mais cedo possível ou então estavam fadadas à falência.
Nesse período, as cervejas mais populares nos EUA eram as lager, mas estas cervejas necessitam de um controle muito mais rígido de refrigeração devido às suas baixas temperaturas de fermentação e maturação. E é nesse período da história que muitas microcervejarias começam a olhar para ales como um viés econômico, e começaram a se inspirar nas ales britânicas.
Esse foi um dos problemas que acabou gerando outro: ingredientes. Os maltes e lúpulos inglesas diferem muito dos americanos, e mesmo que fosse possível importar esses insumos da Inglaterra, a ampla distância entre os dois países tornava muito cara a sua importação. Foi aí que os americanos começaram a perceber que as suas cervejas não precisavam ser exatamente iguais às inglesas, já que os EUA tinham seus próprios maltes e lúpulos.
Embora o malte americano e candense fossem muito bons na época, eles apresentavam sabores e aromas muito mais suaves comparados aos maltes ingleses e alemães. O lúpulo americano era considerado muito “selvagem” pelos ingleses e alemães, mas os americanos viam nele um potencial enorme e começaram a embasar suas receitas com seus próprios lúpulos. O lúpulo Cascade, hoje um dos mais produzidos nos EUA, surgiu do cruzamento do lúpulo inglês Fuggle com um lúpulo selvagem americano. O resultado desse cruzamento foi uma lúpulo muito mais aromático que a versão inglesa, e se tornou um dos lúpulos base para as primeiras pale ales americanas.
Embora a Escola Americana tenha na sua maioria de estilos uma inspiração de outras escolas cervejeiras, não restam dúvidas de que são cervejas únicas e cheias de personalidades. Eaí, essa escola é ou não fantástica?