A importância de falar sobre a visibilidade lésbica, lembrada no mês de agosto, está no fato de termos a oportunidade de dar à luz lutas que, cotidianamente, perante a sociedade machista e preconceituosa na qual vivemos, nem sempre conseguimos debater. Dessa maneira, nesse mês, em especial no dia 29, temos a oportunidade de reiterar algumas das principais pautas que configuram a realidade diária das mulheres lésbicas.
Além disso, historicamente, o mês de agosto tornou-se símbolo dessa luta devido à realização do 1° Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), que ocorreu em 1996, organizado com a finalidade de discutir políticas públicas contra a lesbofobia. Nesse sentido, também teve como diretriz prioritária a visibilidade lésbica no Brasil, de modo a trazer à tona suas principais pautas e questões particulares.
Dessa maneira, contextualizar a visibilidade lésbica à cultura brasileira consiste em admitir, dentre outras coisas, a relevância de fazer dessa temática uma pauta não apenas lembrada durante o mês de agosto, mas garantida no debate público e nos projetos políticos. Em outras palavras, uma das razões de ser da celebração da identidade lésbica, que atravessa o exercício político de atuar conforme a maneira legítima de existir na sociedade, está na luta para conquistar direitos iguais em todos âmbitos da vida em sociedade.
Por que é preciso falar sobre visibilidade lésbica?
Um dos pontos mais importantes dentro da discussão acerca da visibilidade lésbica está no fato de haver uma série de nuances específicas da mulher, que se interpolam ao debate corriqueiro da própria comunidade LGBTQIA+. Nesse sentido, a importância de considerar as pautas especificamente das lésbicas torna-se uma demanda sublinhada na luta dessas mulheres, já que, historicamente, dentro da própria comunidade LGBTQIA+, via-se um prejuízo bastante específico no que tange à profundidade no momento de se tratar das questões particulares das lésbicas.
Nessa direção, os elementos que começaram a compor o diálogo contribuíram com a complexificação das lutas, já que se percebeu, dentre outras coisas, a indispensabilidade de se considerar a interseccionalidade dentro desse espectro. Isso quer dizer que, além de tratar das desigualdades e de toda a opressão que, culturalmente, rondam a vida das mulheres lésbicas, para que o debate se tornasse efetivo e verdadeiro, era preciso adicionar camadas distintas dentro da própria comunidade, incluindo especificidades como:
- as negras;
- as mulheres pobres e periféricas;
- as maneiras plurais de uma mulher lésbica performar na sociedade, acarretando em mais ou menos reações de discriminação, de acordo com os padrões heteronormativos que conduzem a narrativa social;
- as condições de emprego.
Além dos aspectos citados anteriormente, poderíamos seguir adicionando pontos a essa lista, de modo que, em dado momento, perceberíamos que não se trata apenas das características isoladas pontuadas, mas das possibilidades infinitas de cruzamentos entre elas. A partir desses diversos cenários, torna-se mais clara a complexidade da discussão, que sinalizou a importância de reunir esforços focados ao combate de violências específicas, experienciadas apenas pelas mulheres de maneira geral e tensionadas forma inédita a partir de cada individualidade.
Visibilidade lésbica no trabalho
Seguindo a lógica geral da importância da visibilidade lésbica, cabe um tópico específico para lembrar a urgência de tratar sobre o tema nos locais de trabalho. Aqui, trata-se de levar a público as discussões acerca da diversidade, de modo que essas questões sejam permeáveis à realidade das empresas e, de maneira gradativa e eficiente, possam reduzir cada vez mais o sofrimento das mulheres lésbicas no mercado de trabalho.
Dentre tantos sofrimentos reais que as lésbicas passam em seus empregos, há de se considerar que existe um ponto dos mais cruciais nessa problemática: o desrespeito à dimensão privada. Dito de outra maneira, sinalizar moldes comportamentais específicos a serem seguidos passa, necessariamente, por uma invasão da privacidade do empregado que ultrapassa qualquer norma estabelecida formalmente por qualquer negócio.
Às mulheres que não performam feminilidade, esse desafio é ainda mais árduo, pois, dentro de uma cultura heteronormativa, os pressupostos de comportamentos incidem de maneira mais profunda na realidade das mulheres, que carregam compulsoriamente uma demanda exaustiva e irreal de padrões a serem internalizados em sua personalidade. Por isso, a visibilidade lésbica atua de maneira importante também ao expor, através de debates e conversas específicas sobre a diversidade, as diversas nuances que compõem a lesbianidade, tratando de questões relacionadas, por exemplo, ao gênero, à sexualidade, à performatividade e aos valores compulsórios ditados pela heteronormatividade, dentre outras coisas.
Levante do Ferro’s Bar: você sabe o que foi?
Além do dia 29 ser o dia da visibilidade lésbica, que demarca as discussões do mês de agosto, há também um segundo momento especial a ser lembrado durante esse mês: o dia 19 de agosto, que é considerado o Dia do Orgulho Lésbico. Essa data, de maneira especial, foi definida em homenagem a uma sapatão ativista do movimento lésbico, chamada Rosely Roth, que liderou um levante na cidade de São Paulo, no ano de 1983, no chamado Ferro’s Bar.
Esse foi um momento que ficou marcado na história do ativismo lésbico, pois simbolizou uma reação importante das lésbicas que frequentavam o bar à época, que reinvidicaram seus direitos e ocuparam seu lugar de protagonistas no debate. Para contextualizar melhor sobre o que foi o Levante do Ferro’s Bar, importa destacar que o Ferro’s Bar era um lugar altamente frequentado pela comunidade LGBTQIA+, de maneira especial pelas lésbicas. Por isso, muitas vezes, o fato é equiparado à Revolta de Stonewall, como uma forma de trazer à luz um exemplo de movimentação da comunidade em prol de seus direitos de existir e estar nos lugares.
No caso do Levante do Ferro’s Bar, sua motivação foi pelo fato de o então dono do local ter proibido as mulheres lésbicas que frequentavam o bar de vender um panfleto chamado “Chana com Chana”, que tinha como objetivo divulgar o movimento “Grupo Ação Lésbica Feminista” (GALF), surgido em 1981, no contexto dos primeiros grupos de organização política homossexual do Brasil. Para tanto, elas os vendiam no bar já frequentado por mulheres. Entretanto, a venda foi proibida pelo dono do bar, que, contraditoriamente, fazia vista grossa à venda de produtos como drogas ilícitas no estabelecimento.
Sendo assim, graças às citadas motivações, foi organizado o levante no dia 19 de agosto, que resultou na autorização das vendas no bar e um pedido de desculpas do dono do estabelecimento. Além disso, essa foi considerada a primeira manifestação lésbica brasileira, que incentivou novos movimentos e manifestações de diferentes grupos da comunidade LGBTQIA+ e grupos feministas.
Visibilidade lésbica: uma pauta constante da Sapatista!
Falar sobre visibilidade lésbica, direitos das mulheres, representatividade e tantos outros temas é algo com que a Ssapatista se importa desde sempre. Faz parte do nosso propósito e de quem somos. Por isso, o lugar do debate, da discussão respeitosa e dos avanços sociais deve, sim, ser resguardado pelas empresas e por todas as entidades que atuam em nossa sociedade.
Dessa maneira, o nosso compromisso, além de bradar a luta pela equidade, pelo respeito às mulheres lésbicas e pela consideração integral de todas as camadas interseccionais que compõem essa luta, é assegurar a garantia de espaço para todes. Por isso, nosso lema é: cerveja feita por mulher (sapatão) e pro mundo todo beber! Nessa direção, acreditamos que há condições de contribuir com um mundo mais justo e igual.